Tarde americana no último dia do Nos Primavera Sound, com concertos de Khruangbin, Helado Negro e Pile. Noite encerrou com a banda virtual de Damon Albarn, Gorillaz.
Corpo do artigo
Logo após o espetáculo de David Bruno, que poderia ter por título "Aprender a amar as nossas coisas, mesmo as mais difíceis de serem amadas", e da viagem ao pós-punk dos Dry Cleaning, abriam-se ao público duas propostas antagónicas no início da última reta do Nos Primavera Sound. O quente/frio dos Pile e o sorvete morno de Helado Negro, dois projetos norte-americanos com um abismo a separá-los.
Eram opções que serviam diferentes objetivos: quem queria preguiçar na relva ficava-se pela toada lounge de cores latinas de Roberto Carlos Lange, músico de ascendência equatoriana que afirmou na Flórida as suas paisagens delicadas e emocionais. Quem, pelo contrário, queria adrenalina já, rumava ao Palco Binance (o da clareira), que continua a ser ponto de encontro da militância alternativa, e aí encontrava os rapazes de Boston, que se especializaram na fórmula lento/rápido canonizada por bandas como Pixies ou Nirvana. Duas baquetas batem como ponteiros de relógio acelerado e arranca uma descarga de hardcore, depois uma suspensão, tingida de música folk ou amenidade pop, e novamente um vagalhão de instrumentos furibundos e voz possessa.
Qualquer que fosse a opção, tudo parecia combinar com o número seguinte, também oriundo dos EUA, porque a música dos Khruangbin é compatível com todas as disposições e não impede outras atividades em simultâneo. Nesse aspeto, é a menos despótica das sonoridades. Um muzak elegante e cinemático, que cita filmes de Tarantino ou Sergio Leone, temas de Chris Isaak ou Snap!, e voga pela salsa e pelo funk. Não tinham o cenário apropriado como em Paredes Coura, festival que os deu a conhecer aos portugueses em 2019. No Alto Minho emergiam do verde, no Primavera foram encostados aos prédios de Matosinhos Sul. Mais do que provocarem a dança, os Khruangbin embalam, mas talvez pelo sol, por ser o terceiro dia, ou outro motivo qualquer, ao nosso lado tomba subitamente uma rapariga e começa a revirar os olhos. Confusão, os amigos amontoam-se à volta dela; felizmente alguém esclarecido acorreu de pronto - Ana Duarte, uma consultora musical, que fez um movimento básico: levantou-lhe as pernas, ativando a circulação do sangue, e a jovem reanimou-se de imediato. Fica a dica para situações de emergência.
Antes dos nomes garrafais da última noite, Interpol e Gorillaz, escutou-se ainda o rock maduro dos Dinosaur Jr. e o hip hop multicultural de Little Simz, cantora em ascensão no Reino Unino e por tabela no resto do Mundo.
Rodízio de Beck
Na véspera, a noite ficou marcada pelo zapping musical de Beck, que ataca todos os géneros musicais que respiram, mistura-os, confunde-os e transforma-os na sua sopinha pessoal e inconfundível. Aos 51 anos, o californiano continua um performer exuberante e imprevisível - cativou os fãs antigos e conquistou novos fiéis. E que bem ainda soam as canções de "Guero", "Odelay" ou "Mellow gold". O Palco Nos foi encerrado pelos Pavement, outra glória dos anos 1990, que aviou um espetáculo competente (a guitarra de Malkmus fala sozinha), mas pareceu algo cristalizada na sua pátina.
Apontamentos
Vários fotógrafos queixaram-se das dificuldades criadas pela altura do palco principal. A posição em que ficam, apenas lhes permite registar a cabeça dos músicos. E nem todos são como Nick Cave, que fazem questão de descer ao estrado que se encontra ao nível do público.
Cabelos fúcsia, verde-água ou rosa choque. Peúgas amarelas com sapatilhas cor de laranja. Camisas lilases com flores vermelhas. A explosão de cores foi notória na indumentária do público. Depois de uma pandemia, um cromatismo vibrante para afirmar o regresso à vida.