A obra completa do autor de "Corpo agrário" volta a estar disponível num único volume, publicado pela Assírio e Alvim, com organização, texto e notas de Fernando Guimarães.
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Bem menos passageira do que a sua vida, a poesia de Nuno Guimarães (1942-1973) perseguiu sempre o equilíbrio extremo entre a realidade e a escrita, como se ambas se vigiassem em permanência. Agora reunidos num volume que integra “Corpo agrário” (1970) e “Os campos visuais” (1973), estes poemas oferecem-nos, “entre sílabas e lavas”, uma convocação da metáfora e da imagem que resulta na busca constante de um sentido que não se esgota no conceito de inteligível.
O rigor e a depuração são eixos essenciais de uma poesia que se cumpre nos propósitos de “sobreviver, saber viver”, através dos quais o autor tanto convoca a opressão da doença e da morte como o desejo prenunciado de liberdade, sem perder nunca de vista a terra e os elementos naturais.
Nesta relação construída com o real através das palavras, a poesia é sempre o mediador último que permite um maior distanciamento ou, pelo menos, um enfoque distinto da matéria sobre a qual se debruça.
Como escreveu num poema precisamente intitulado “Pela escrita”, publicado na revista “Vértice”, “através dela somos divididos / e somos portadores de divisão. / Por ela aprendemos um país / dividido. / Dela passamos para nós: / tornamo-nos, assim, subvertidos. / Por ela quebramos os limites / do conhecimento”.
Como se estivesse investido de uma missão, o autor natural de Vila Nova de Gaia abraça a cada escrito o desejo de contribuir para que cada poema seja um esforço concreto de conhecimento do mundo. Por isso, há que “persistir no imutável. Preencher / os anos que nos moldam / no vigor da fibra, no duro movimento interior”.
Além da disponibilização integral dos dois livros publicados por Nuno Guimarães, a edição é enriquecida com uma rara entrevista concedida pelo autor a Maria Teresa Horta, em 1971, do jornal “A Capital”, em que aprofunda uma conceção poética profundamente ancorada na realidade social do seu tempo. “Toda a poesia, mesmo a mais positiva, estabelece uma rutura com as coisas, é de crise, e é crítica”, defendia.