O novo livro de Rui Nunes, um curso intensivo de cinema no feminino, um belo pretexto para visitar Mértola e os 51 álbuns mais esperados deste verão.
Corpo do artigo
Rui Nunes não acredita em Deus e tudo o que escreve é uma tentativa falhada para atenuar essa ausência. Falhada, porque torna-a ainda mais evidente. Na sua extensa obra, tudo é dor, denúncia do absurdo da existência humana, pobreza existencial a que, para ele, todos estamos condenados. É como se houvesse um Raul Brandão dentro de Rui Nunes, mas com uma linguagem mais crua, complexa, fechada, labiríntica. Terrivelmente original.
Em 1998, quando (tardiamente) recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores pelo "Grito", Rui Nunes explicou-se: "Os livros que me fascinam - e os que sei escrever - são textos irremediáveis. Isto é, vivem a doença da nostalgia do olhar de Deus. Sabem-no inexistente. E acreditam que as palavras prolongam ainda mais a falta que pretendem apagar." Este pessimismo atravessa todos os seus livros, todos íntimos e dilacerados, quase biográficos.
Nos últimos anos, perdemos a conta à suspensão da respiração em que Rui Nunes nos instalou desde que anunciou que deixaria de escrever. Todos os seus últimos livros seriam o último. Felizmente, talvez o último ainda não tenha chegado. Chegou agora o mais recente "No íntimo de uma gramática morta", tão inclassificável e imprescindível como os outros todos que constituem a obra da sua sobrevivência. "A morte não tem enigma. Basta chegar aqui e olhar com a derrocada do corpo, sentir que a própria ideia de deus se desinteressou de nós, essa ideia que acarinhámos ao longo dos anos, com doenças leves e tristezas antecipadas."
Recentemente chegou também ao mercado uma caixa com 14 horas de cinema e mais de mil excertos de filmes realizados por mulheres ao longo de 13 décadas nos cinco continentes. "Women Make Film - Mulheres fazem cinema" é uma coleção escrita e realizada pelo documentarista irlandês Mark Cousins, que basicamente nos propõe um curso intensivo de cinema no feminino, desafiando-nos a ver o que ele viu e a maioria pelos vistos não. Seja sobre o amor, a política, o humor ou a morte. Numa altura em que tanto se debate o papel da mulher, este é um dos maiores contributos para essa discussão. Entre as narradoras encontramos atrizes como Tilda Swinton, Debra Winger ou Jane Fonda.
Para ver fora de casa, em Mértola, no Alentejo, há Arte Non Stop até ao dia 19 de junho. O festival pluridisciplinar, que este ano celebra também o 18º aniversário da Casa das Artes Mário Elias, está cheio de encontros imperdíveis. Esta quinta-feira há Agnès Varda, o documentário "Os respigadores e a Respigadora", para ver no Cine-Teatro Duque; amanhã, Vera Mantero leva ao palco a sua peça sobre a desertificação/desumanização fa serra do Caldeirão, no Algarve, e no sábado a coreógrafa partilha o palco com o guitarrista Gabriel Godoi, para interpretar Caetano Veloso.
Por falar em canções, a Pitchfork já divulgou a lista dos 51 álbuns mais esperado deste verão. De todos, há pelo menos discos a ter em conta: o dos Darkside, que regressam ao fim de oito anos (23 de julho), o dos Deafheaven, que ameçam afastar-se do metal (20 de agosto); o da imparável Lana Del Rey (4 de julho), e claro, o póstumo do Prince (30 de julho).