Francisco Marques coleciona obras seculares que compra em leilões. Prioridade são os livros de autores portugueses dispersos no estrangeiro.
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Não faltam apreciadores de livros antigos, mas poucos levam essa paixão tão longe como Francisco Marques. O advogado de Barcelos é um dos maiores colecionadores privados de autênticos tesouros literários, com destaque para livros raros de figuras portuguesas entre os séculos XV e XVIII.
Dos mais conhecidos Garcia de Orta, Pedro Nunes e Damião de Góis, aos hoje quase esquecidos Amato Lusitano, Cristóvão da Costa, André de Avellar, o bibliófilo confessa sentir "um especial gosto em resgatar para o nosso país livros de autores nacionais publicados no estrangeiro".
A formação da sua biblioteca remonta à juventude, mas foi com a Internet e o acesso aos catálogos de leiloeiras e alfarrabistas de todo o Mundo, a partir da década de 1990, que viu a oportunidade de ter acesso a obras que a própria Biblioteca Nacional certamente não desdenharia ter.
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Os ex-líbris da sua coleção são os incunábulos, livros impressos até 1500. O mais antigo remonta a 1473, e encontra-se em perfeitas condições, mas a sua obra preferida, entre a vintena que possui, é a de Flávio Josefo, o historiador judaico-romano que viveu entre os anos 37 e 100 d.C.
"Nem por 20 mil euros o vendia", assegura.
Avesso a divulgar publicamente os valores que desembolsa pelos livros, diz apenas que "um incunábulo custa sempre para cima de cinco mil euros".
"Livro que entra não sai"
Se uma boa parte dos colecionadores compra livros na lógica do investimento, Francisco Marques rege-se por outros princípios. "Livro que entra na minha biblioteca não sai", reforça. A exceção à regra foi uma obra repetida que trocou apenas para abater o valor a pagar por um incunábulo fora do seu alcance.
O primeiro critério para a compra de uma obra é o do gosto. Só fica na posse de livros que tenciona ler. Fluente em idiomas como o latim e o italiano, chegou a aprender árabe para decifrar alguns livros da sua biblioteca e só lamenta que o domínio do grego e do alemão esteja algo enferrujado.
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Apesar de manusear livros com muitas centenas de anos, recusa-se a usar luvas, até porque considera que "até podem ser prejudiciais". O conhecimento sobre livros seculares é tal que consegue situar os livros no tempo apenas com base na qualidade do papel. Os do século XVII, por exemplo, são de "fraquíssima qualidade e num tom muito escuro, devido à crise por que o país passou em grande parte desse século".
Com os dias passados entre o gabinete e os tribunais, Francisco Marques reserva para a noite a leitura e a escrita. Recentemente publicou o quarto volume de "Alguns livros da minha biblioteca e outras histórias", um título em que escreve sobre obras que se orgulha de ter, desfiando curiosidades sobre os autores. "Um livro antigo esconde segredos. Surpreendo-me sempre em cada nova leitura", conta, entusiasmado.
Preciosidades
"Divina comédia", de Alighieri Dante
"Trata-se de um interessante exemplar da edição lionesa, impressa por Guilherme Rouville em 1552. Localizei, num livreiro de Nova Iorque, um exemplar da edição de Mântua, de 1472, à venda por quatro milhões de dólares!"
"The works", de Geoffrey Chaucer
"Os exemplares desta raríssima edição de 1598 contêm não só os famosíssimos "Contos de Cantuária", mas também outras obras do pai da literatura inglesa, incluindo traduções".
"Dois livros de pranto", de Frei Álvaro
"É este o título da obra que tornou famoso, em toda a Europa, D. Frei Álvaro de Pais, impressa pela primeira vez em 1474. Este exemplar é da terceira edição, de Veneza, de 1560".
"Catecismo", de Frei Bartolomeu
"Exemplar é de 1574, da terceira edição, impressa em Braga, também por António de Mariz, um dos maiores impressores portugueses da segunda metade do século XXI"