Qual foi o melhor número de psicadelismo: War on Drugs ou Tame Impala? Ao terceiro dia do festival, inesperadamente, Charles Bradley tomou conta de todos nós. O festival termina este sábado com Likke Li.
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Inesperadamente como a chuva, ainda que os aparelhos dissessem que ia chegar, Charles Bradley pode acabar sair coroado king de Coura. Inesperadamente porque é um ato soul e funk e ele é um senhor de 66 anos a domar uma plateia jovem que consome todos os dias no festival rock psicadélico e várias modificações e efusões dessa mitologia.
Foi a segunda vez que o vimos em dois anos, da outra, no Primavera do Porto, viu quem não foi aos National, ou quem desistiu dos National à hora do "Fake empire" (o que foi irónico - para eles), porque os concertos foram à mesma hora, e tivesse ficado a ver Charles Bradley, mas aqui numa plateia mais velha do que a de Coura.
Quem lhe prestou atenção percebeu a logo a cena sósia com Ottis Reding e aquela forma de cantar admirativa, que fraseia e afirma definitivamente. Mas são mais até as parecenças de pulmões com Lee Moses, fantasma fundamental da power deep soul que lançou "Time and place" em 1971 e depois morreu para a música (e depois para toda a gente em 1997). É guitarra funky e voz de goelas negras abertas e lamúrias graves e também ele canta o "How long" como o Bradley e ambos perguntam desbragados a gritar ao mundo quanto tempo é que vão ter que esperar.
Foi este número, Charles Bradley com os Extraordinaires perante uma plateia de 25 mil pessoas a abençoar-nos e a falar-nos do coração. Uma bênção muito diferente, do preto para o branco, da bênção de Father John Misty, outro tipo de encenador que tocou ali uma noite antes no mesmo altar.
E depois tudo mudou outra vez e houve hipnotismo com psicadelismo bom e War on Drugs, nome muito irónico para uma banda num resort de rock.
O ato foi em contínuo e foi a maioria de "Lost in the dream", o disco da depressão e da descrença do vocalista guitarrista Adam Granduciel, 36 anos, e que ele transformou em novo desejo e pequena épica de uma geração.
O som é pós-Springsteen com country rock colocado num vácuo de som com shoegaze e psicadélica. Tudo aquilo tem potência emocional, isto é, esperança, menos nos interlúdios preparativos para os hits, que são sombrios, e é servido como uma hipnose que impele a dançar porque é um tremendo motorik. É curiosa a potência pop de estados de espírito preocupantes, sobretudo se os alinharmos em crescendo: "Red eyes", "Baby missiles", "Under the preassure", "Burning" e "Disappearing", canções cheias de vento e cristalares e que no entanto só falam de problemas, de correr no escuro e da escuridão a correr contra nós.
No quinteto é ele que está à frente em palco de guitarra, Adam Granduciel, mas ele prefere a luz escura, o grande azul, os problemas expostos são os dele, do compositor, e ele curva-se sobre a guitarra e desafia pedais em contraluz com o cabelo comprido a cair; quando canta, com a cara ligeiramente de lado para o microfone, a sua voz sai como o nariz de Dylan e a garganta de Morrison enquanto jovem, e ali ao vivo não perde poder - supondo-se que todo o recinto tenha ouvido bem e limpinho o "woo!" que é gritado para o escuro no "Red eyes". Ouvia-se bem à frente nas grades a ver o Granduciel soltá-lo de repente e depois atirar-se para trás com a guitarra na explosão de luz e ele a dizer a seguir: "Tu és tudo o que eu tenho que esperar".
War on Drugs ascendeu logo para muitos ao lugar dos melhores de Coura 2015 juntamente com Tame Impala e o duelo agora é de psicadélicos pelo melhor momento de rock do Verão que Coura 2015 vai definir. Vamos pedir a Charles Bradley para escolher.