O último episódio da minissérie "O Arquiteto" é transmitido este sábado na televisão depois das 22 horas.
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"O Arquiteto" - a recém-estreada produção da TVI e da Prime Video - acompanha Tomé Serpa (Rui Melo), um arquiteto de sucesso, casado e com filhos, que oculta uma vida dupla: relacionamentos com várias mulheres e a gravação sem consentimento de encontros sexuais. O aviso da autora é claro: a minissérie de seis episódios - o último foi para o ar ontem - é uma obra "inteiramente ficcional" inspirada em "factos públicos da sociedade portuguesa dos anos 80 e 90", mas sem caráter biográfico, em que "algumas coisas remetem para a realidade" e 90% são "ficcionadas".
Com argumento de Patrícia Müller e realização de João Maia, a narrativa torna impossível dissociar os 10% não ficcionados do escândalo sexual que envolveu o arquiteto Tomás Taveira no Portugal das Amoreiras, mas mostra-se mais interessada na visão das mulheres retratadas e nos impactos psicológicos e sociais dos danos sofridos do que na figura do todo-poderoso. A história é delas (Maria João Pinho, Paula Lobo Antunes, Mikaela Lupu, Teresa Tavares): as que sofrem em silêncio, as que lutam, as que temem, as que descobrem esqueletos no armário sob a forma de videocassetes.
Intensa e complexa, a série não se propõe a julgar (a distância declarada da biografia acaba por ser uma proteção legal), mas a fazer pensar, tendo sempre em conta o contexto social e cultural de um país acabado de conhecer a liberdade, mas muito longe (ainda mais do que hoje) de se libertar de um sistema patriarcal dominante e intocável. Mais do que choque, quer reflexão - mesmo com o risco de dar um reflexo turvo para onde o espectador olha com dúvida sobre o que é real ou não.
Apesar da tentativa de equilibrar dramatismo, autenticidade e respeito, não fazendo resvalar para o patamar do sensacionalismo um tema que se sabe sensível, "O Arquiteto" tem dividido o público entre os que condenam uma suposta humanização glorificadora de um homem que terá dado uso ao poder para coagir e abusar e, por outro lado, os que relativizam e minimizam os factos conhecidos do público, geradores de manchetes mas nunca de processos judiciais.
Abordando temas universais e intemporais como abuso de poder, consentimento sexual, manipulação emocional e emancipação feminina, a série faz a sua parte enquanto produto cultural: provoca e gera debate. Em horário nobre.