O legado que está a ser celebrado estes dias pelo Teatro Municipal do Porto é o do compositor americano Steve Reich, considerado aos 84 anos um dos nomes maiores da música minimalista. Mas, por contaminação o TMP irá também comemorar o legado da coreógrafa belga Anne Teresa De Keersmaeker e da sua companhia Rosas. E também o lastro deixado, 20 anos depois, pela Porto 2001.
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"Drumming", com a partitura do mesmo nome de Steve Reich, é um dos grandes espetáculos desta temporada do Teatro Municipal do Porto (TMP), agora reprogramado para o online. Uma fusão de precisão e energia bruta. Uma coreografia considerada como uma das obras-primas do final do século XX.
A complexidade de Anne Teresa De Keersmaeker ao criar as deslocações é incontestável, e simultaneamente tão espontânea como um jogo de crianças. O espetáculo apresentado a partir de sexta, com possibilidade de ser visto até domingo, é uma remontagem de 2020 da peça que foi criada em 1998 e conta com um novo elenco.
Do coletivo faz parte agora a bailarina portuguesa Margarida Ramalhete. A intérprete participa numa conversa online, no sábado, com a coreógrafa Né Barros, a ser transmitida no Facebook do TMP às 18 horas.
A percussão traz sempre consigo um chamamento primitivo, apelando diretamente ao movimento. Os crescendos e as paragens repentinas desta composição de Reich são de cortar a respiração. Os cruzamentos de bailarinos, acidentes prestes a acontecer, são todos enfatizados pelo uso requintado da pauta musical.
A coreografia, que começa apenas com uma mulher e uma linha de tambores, vai ficando repleta de imprevisibilidade. De alguma forma aí reside a beleza, na possibilidade de acidente. Acompanhando a música de Reich, a coreografia vai expandindo até chegar aos 12 bailarinos.
A coreografia "Drumming" adapta os princípios da composição musical, com passagens rigidamente rítmicas e outras que parecem fora da sincronia, formando novos padrões de movimento. A lógica é hipnotizante, com gestos duplicados e multiplicados. Os momentos de quietude, paradoxalmente, aumentam a energia no palco, com padrões coreográficos engenhosos.
Anne Teresa é conhecida pelo formalismo na dança, claramente reconhecível em "Drumming". Há também vários elementos semióticos que se repetem na coreografia e prolongam pela cenografia e pelos figurinos, criando um jogo de contrastes e semelhanças, com imagens espelhadas e dezenas de diagonais. Uma alegoria para o ser solitário na sua relação com as massas.
Na cenografia o linóleo parece completamente laranja, exceto numa das oito faixas que não está completamente desenrolada, mas há uma referência ao nascer e ao pôr-do-sol. A vantagem de ver "Drumming" online é a possibilidade de ocupar várias cadeiras no teatro, acedendo a uma multiplicidade de planos impossíveis num só lugar.
O programa inclui uma masterclass com a bailarina japonesa Fumiyo Ikeda e uma sessão de "Histórias da dança" com a bailarina Teresa Vaz, ambas programadas para sábado.