Cinco novas exposições em diálogo com as coleções permanentes do museu de arte contemporânea vimaranense.
Corpo do artigo
O Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG) inaugurou, no passado sábado, cinco exposições agrupadas em "A voz multiplicada" , com a presença dos cerca de 20 artistas portugueses e estrangeiros, entre os quais aquele que empresta o nome ao museu da Cidade Berço. Trata-se de uma proposta para um olhar menos eurocentrado, a partir de um museu com uma coleção permanente de arte africana, arte pré-colombiana e arte antiga chinesa.
Yonamine tomou conta do piso 0 do museu. O artista angolano, que um dia representou uma seleção de Angola (os Palancas Negras) em que todos os jogadores tinham a cara do então presidente José Eduardo dos Santos, não desilude na sua capacidade de agitar as águas. Ele próprio produto de miscigenação, desfaz com a sua arte mitos de origem e autenticidade. Na entrada, recebe-nos a Wonder Woman: é "Dona Ingrácia, a minha avó, casada com um português de Trás-os-Montes que eu decidi ressuscitar para esta exposição".
A exposição-instalação "EU UE/ Amnésia & Dislexia" pode ser entendida como uma junção do "eu", primeira pessoa do singular, com as iniciais da União Europeia, mas lido em conjunto também pode ser "ewe", uma expressão polissémica angolana que pode servir para chamar a atenção, para exprimir medo ou alegria.
Para Yonamine, "esta é uma exposição que fala de todas as partes do mundo por onde eu ando. Os materiais que aqui uso encontram-se em Angola ou no Zimbabué, mas também na Grécia [onde vive atualmente]. Alguns artistas separam tudo, eu prefiro fazer uma salgalhada".
"A casa que está ali no meio é chibuku, é de toda a gente. Chibuku é uma bebida alcoólica feita de sementes. Serve para ajavardar o place. Porque eu não sou um académico. Eles têm que ficar nos carris, eu não", afirma. Na instalação há também performance, com a colaboração do ator Meirinho Mendes, para lançar a confusão, principalmente através do som que se propaga por todo o museu. Trata-se de confundir tudo, de baralhar e voltar a dar, num trabalho que junta referências da mitologia africana, da Antiguidade Clássica ou da publicidade a produtos de branqueamento da pele, para chamar a atenção (ewe) para questões como os fetiches da beleza eurocêntrica.
Ensaio sobre o passado o futuro
"Preambular o futuro" é uma intervenção vídeo que ocupa vários espaços do CIAJG, a começar pela vídeo wall da praça exterior. Max Fernandes revisita os discursos que foram produzidos pela comunidade (políticos, artistas, visitantes) no momento em que foi criado o edifício que hoje alberga o museu - emblema da Capital Europeia da Cultura 2012.
Esta revisitação é também um convite à resignificação das imagens que ocupam a nossa memória sobre o espaço do museu, no momento em que celebra dez anos e se projeta para o futuro.
"Quasi-manifesto" para o futuro
Os manifestos são "murros na mesa" que procuram provocar mudanças de rumo. José de Guimarães realizou três manifestos, em momentos distintos da sua vida e obra, que se cruza com a segunda metade do século XX português e com este princípio de século: "Arte perturbadora" em 1968, "A ratoeira" em 1984 e "Esta cultura faz-nos velhos" em 1999. Em 2022, a convite do CIAJG, surgiu o quarto "Quasi-manifesto". Uma mensagem de futuro para os nossos dias, em que determina "que viver, só no sonho e em liberdade". Para ver, ler e ouvir no hall e no piso 1.
A língua do monstro
Pedro Barateiro coloca em diálogo alguns dos seus trabalhos com peças que pertencem à coleção do CIAJG e documentos do arquivo de Salazar e da PIDE, de Carlos Antunes e Isabel do Carmo, ou de João Bérnard da Costa, depositados na Torre do Tombo e na Fundação Mário Soares e Maria Barroso. Todo o piso 1 do centro é ocupado pela memória dos dias em que a sociedade portuguesa vivia numa tensão entre a voz (ou a falta dela) dos movimentos contestatários e o projeto do regime, nomeadamente a questão colonial.
Atividades desviantes
Partindo da figura das gárgulas da Igreja de Nossa Senhora de Oliveira, no Centro Histórico de Guimarães, o curador convidado Raphael Fonseca reuniu uma série de artistas para uma reflexão sobre a fronteira entre o que aceitamos como normal e a aberração. "Quais grupos sociais e atividades humanas são associadas a atitudes desviantes e, portanto, encaradas fobicamente como monstruosas e escatológicas, levando a perseguições e ao cerceamento da liberdade?"
É no meio deste conjunto de nove artistas individuais, um coletivo e duas duplas que surge o trabalho de La Chola Poblete (aliás, Mauricio Poblete). O artista que agitou a feira de arte contemporânea ArteBa, em Buienos Aires, onde o seu alter ego drag, La Chola, espezinhava batatas fritas Lay"s, um alimento fundamental para os povos nativos da América do Sul agora convertido num símbolo do capitalismo.
O CIAJG está a celebrar o décimo aniversário e tem portas abertas de terça a sexta-feira, entre as 10 e as 17 horas, e aos sábados e domingos das 11 às 18 horas. "Voz multiplicada" pode ser vista até 18 de setembro. O ingresso custa 4 euros, mas há vários descontos que baixam o preço para os 3 euros, entre os quais para estudantes e maiores de 66 anos.