David Bruno deu a primeira enchente ao Indie Music Fest na madrugada de sexta-feira. O festival encerra este sábado em Baltar, Paredes.
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Entrar num concerto de David Bruno é entrar num pequeno universo paralelo, onde o palco é um lugar de confissão e rir torna-se um ritual. Ele sobe - de fato escuro, óculos de sol mesmo à noite, poupa impecável - e no instante em que assobia o primeiro acorde, o público já é dele. Isto depois de Banderas já ter feito o aquecimento da plateia e após uma reentrada de um problema técnico, mas até isso parece devidamente estudado. A plateia, rendida, esboça sorrisos cúmplices e, por magia, torna-se um corpo pulsante, colectivamente cúmplice.
Há tascos e ruídos de McDrive, há velhas histórias de Vila Nova de Gaia que ele resgata com uma reverência cómica, quase profana. E o público, ri como quem percebeu finalmente que levar o kitsch a sério é um acto de ternura. No olhar de cada um, há reconhecimento: "Nós somos mesmo estes e ele está aqui para nos dizer isso de volta, com graça e alma."
E nestas canções que dobram a portugalidade num origami de sentimentos, ele traz personagens e situações loucas - o "Robert de Niro de Caxinas", o "Senhor de Pedra onde vai buscar água todas as sextas feiras 13, para benzer o palco" , "O Celso presidente", "o Valentim"- e aquilo que poderia ser pura paródia ganha densidade, transforma-se em algo como um espelho delirante onde nos vemos com todas as nossas falhas e afectos. É só gozo, mas é sério também, parece dizer cada música. E nós aceitamos essa condição feliz do paradoxo. Ainda agora, ouvimos mundos - a formato de áudio-novela, poesia suburbana, funk elétrico - e o público absorve tudo como se fosse uma memória comum, antes secreta.
Bruno, um rapaz que torceu o pé "no mosh dos Pomadinha" sobe ao palco, levado pelo segurança, que merecia ter um rendimento extra pela quantidade de pessoas que subiu e desceu em braços, para cantar "Azeitona Cocktail" . Mais tarde é a pequena Amora que sobe ao palco e vai cantar "Inatel", um fenómeno a ser estudado com as crianças e esta canção. Depois é David Bruno que desce para cantar no meio do público. No meio da entropia, o "chumação", "homem aranha" quase acaba expulso pelo segurança, quando resolve entrar pelo fosso de ramo de flores na mão, calça justa e camisola de Jesus coroado.
A música torna-se um laço invisível que une cada história dispersa naquela floresta. Não é um concerto; é um baptismo coletivo no humor e na saudade, onde cada nota é um convite para sentir mais, lembrar mais, rir mais. E quando toca "Doucement", dedicada a Diogo Jota e André Silva, a plateia torna-se gentil. Da cena que ele evoca - a emigração, o roçar de lugares escondidos, a ternura rústica - nasce um silêncio cúmplice, o público não aplaude imediatamente; paira alguma coisa como um respeito partilhado, um afeto comum.
No fim, sobem palmas que soam a abraço. Ele faz uma vénia meio envergonhada, meio vitoriosa. O público fica ali, preso naquele instante em que tudo se tocou: a música, o riso, a memória. E então percebemos que não fomos só espectadores - fomos cúmplices de um espelho que nos devolveu aquilo que nem sabíamos que precisávamos ver. "10 em 10" como diz a sua música. David Bruno não faz concertos impressionantes - faz instantes de afecto coletivo, onde o público se reconhece, se ri, se emociona. E é esse o encanto: a alma da plateia inteira a pulsar.