Canções dos confins de outras décadas, arte que reabre portas, o racismo no quotidiano e uma transição de género à vista desarmada. Na arte, como no resto, viva o princípio do prazer.
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Perdoe-se o pendor retroativo do início desta Arte do Dia, no início desta semana com primavera e em que se retira outra camada à cebola do confinamento. Mais referências da música popular deviam seguir o livro de instruções de David Sylvian: elusivo, emergindo quando e como e se entender ter algo a acrescentar ao tumulto. Em 1987, um ano que foi toda uma primavera, publicou "Secrets of the beehive", álbum que contém "Orpheus", canção que acolhe dez segundos de silêncio a meio do percurso, a que se seguem 37 segundos de um solo planante de fliscorne por Mark Isham.
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O regresso do contacto do público com o Museu de Serralves e a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, no Porto, significa naturalmente novos mergulhos em exposições e no parque. Quase todas as mostras visitáveis a partir de hoje são sobreviventes da hibernação pandémica e, nesse particular, uma das mais recentes é "Utopia!?", da autoria da artista indiana Nalini Malani. A exposição não opta pelas pinturas e desenhos de Malani, a linguagem pela qual é mais conhecida, apostando antes por animações criadas entre 1969 e 2020, entregues em projeções vídeo agrupadas em instalações. São trabalhos que, lê-se na nota de imprensa, se relacionam "por um lado, com o sentimento utópico que se seguiu à independência da Índia e, por outro, com a desilusão em relação àquilo que o país se tornaria, governado por regras ditadas pela ortodoxia religiosa". Trata-se da primeira exposição de Nalini Malani em Portugal, uma viagem que aborda o feminismo e a via-sacra dos marginalizados, o racismo e a cicatriz colonial. "Utopia!?" pode ser vista até 6 de junho.
Isto anda tudo ligado: em "The Guardian", o escritor vietnamita-americano Viet Thanh Nguyen, vencedor do Pulitzer de Ficção em 2016 com "O simpatizante", aborda o historial de violência contra asiáticos-americanos, cujo rasto se estende ao quotidiano à cultura popular.
O que Arthur McNair se propõe a mostrar é, de certa forma, a arte da mudança. Na sua página no Instagram, pode ver-se uma coleção de imagens, captadas em cabines de fotografia, que documenta o processo de transição de género ao longo de dois anos. Num artigo em "The Face", McNair explica a importância de alimentar uma tradição de auto documentação na cultura queer.
Perdoe-se o pendor retroativo do fecho desta Arte do Dia, no início desta semana com primavera e em que se retira outra camada à cebola do confinamento. Poucas, muito poucas bandas na música popular têm a abertura aos mundos, a generosidade do som e o princípio do virtuosismo aliado ao princípio do prazer dos Earth, Wind & Fire. A sua obra, explosão de cores, é uma cápsula que os escrivães do cânone, ainda demasiado brancos e de um só género, pouco e mal engolem. Problema deles.
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