"Certain rivers", oitavo álbum de Francisco Silva, é uma reflexão madura sobre a passagem do tempo.
Corpo do artigo
"Quando sofremos regressamos às margens de certos rios." Todo o ambiente de "Certain rivers", oitavo álbum de originais de Old Jerusalem, está marcado por estes versos do poeta polaco Czeslaw Milosz. "Repare-se que regressamos a certos rios, não é a qualquer rio. Regressamos a certos momentos, aqueles que são âncoras da nossa existência", diz o músico em conversa com o JN.
Escrito antes da pandemia e gravado durante esse período, os dez temas de "Certain rivers", dominados por uma acústica pausada e meditativa, poderão indiciar um regresso à simplicidade dos seus primeiros discos, lançados há quase vinte anos pela saudosa Bor Land - "April" (2003) e "Twice the humbling sun" (2005) -, mas existe um lado "conjuntural" nesse regresso, que é feito também por alguém já não é o mesmo. "As circunstâncias da gravação, em que trabalhei à distância com os colaboradores do disco, obrigaram, por um lado, a simplificar, a tornar mais despidas as canções. Mas esse processo foi também uma aprendizagem que poderá servir para o futuro. As propostas que me chegavam eram sempre uma surpresa, porque não estavam contaminadas pela minha opinião. Houve essa possibilidade de interpretações mais livres [por parte de nomes como Peter Broderick, que intervém logo no tema de abertura, "High high up that hill"; Miguel Ramos (baixo), Sérgio Freitas (teclas) ou Ricardo Baptista (sintetizador)], o que resultou num álbum diferente do que eu tinha idealizado".
Mas seria impossível a inocência desses primeiros registos, porque em 20 anos a nossa ideia de imortalidade leva um rombo. "Em abstrato, toda a gente sabe que vai morrer. Coisa bem diferente é estar perto da morte". Francisco Silva sentiu-lhe o bafo há poucos anos, quando precisou de uma intervenção cardíaca, felizmente bem sucedida. "É inevitável que depois dessa experiência tudo seja enformado por ela. Passas a ter a noção, todos os dias, de que as coisas não são eternas. Perdes a inocência de vez".
Sem concessões
Mas se o disco anterior de Old Jerusalem, "Chappels (2018), criado pouco depois dessa experiência, manifestava ainda, segundo o músico, "a intensidade e angústia com que saí da situação, uma avidez de fazer tudo hoje, porque não sabes se há amanhã", "Certain rivers" representa já um patamar diferente na consciência do músico. "Consegui criar alguma distância. Passei a cantar o drama sem melodrama. Vejo-me agora mais como um observador, com um olhar desassombrado e sereno. E não tenho qualquer vontade de voltar a ter 20 anos".
Essa pacificação estende-se ainda à delicada gestão que Old Jerusalem sempre fez na sua vida profissional, dividida entre a música e a análise de risco numa seguradora. "Houve uma fase em que pensei dedicar-me exclusivamente à música, mas avaliei bem as implicações que isso teria na minha vida. Tratava-se de viver na estrada, sempre a correr, e esperar que à terceira digressão pudesse começar a ganhar dinheiro. Mais uma vez, aos 20 anos isso é muito excitante. Mas quando já tens outras responsabilidades, como os filhos, não aceitas de bom grado certas situações." A vantagem de não precisar da música para pagar as contas, diz Old Jersualem, é que "fazes o que queres, sem concessões, sem necessidade de agradar a alguém".