Caetano Veloso encerra a digressão europeia "Voz e Violão" com concertos em Lisboa, Porto e Guarda. Uma catrefada de clássicos forma o alinhamento.
Corpo do artigo
Um enorme coro gritou "Fora, Bolsonaro!" no final do concerto de Caetano Veloso em Paris, no último sábado, depois de o baiano percorrer parte considerável do repertório que o tornou um dos maiores cantores brasileiros de sempre (o 4.o, na perspetiva da "Rolling Stone"). Ontem passou por Bruxelas, e amanhã inicia a série de seis espetáculos em Portugal que encerram a digressão europeia de "Voz e Violão", o formato com que se apresentará no Coliseu dos Recreios, em Lisboa (1, 2 e 3 de setembro), Teatro Municipal da Guarda (dia 5) e Coliseu Porto Ageas (dias 7 e 8).
As quatro datas iniciais foram insuficientes para os milhares de fãs que rapidamente esgotaram os bilhetes disponíveis - os que se destinavam à Guarda sumiram em poucos minutos. As lotações limitadas, em virtude das restrições relacionadas com a covid-19 - que obrigarão, em Lisboa e no Porto, à apresentação de teste negativo ou certificado digital (na Guarda não será necessário por o número de espectadores ser inferior a 500) -, poderão explicar em parte este frémito. Mas a outra parte é a sede generalizada de concertos e a paixão do público por Caetano, que atuou pela primeira vez no Coliseu dos Recreios em 1981.
Repertório a pedido
"Voz e Violão" assenta o alinhamento num apelo deixado pelo cantor na sua página de Facebook - "Qual música não pode faltar no repertório?". E os fãs não estiveram com meias-tintas: catadupas de pedidos onde se repetiam os clássicos.
Na Alemanha, onde atuou no Elbphilharmonie de Hamburgo, e em Paris, no Philharmonie, Caetano já deu eco às encomendas, aviando temas canónicos como "O leãozinho", "Sampa", "Menino do Rio", "Coração vagabundo" ou "Tigresa". Os dois concertos seguiram roteiros semelhantes, variando apenas na ordem de algumas canções e na opção, em Hamburgo, pelas versões de "Tonada de luna llena", de Simón Díaz, e "Cucurrucucú paloma", de Tomás Mendéz. Ambos terminaram com "A luz de Tieta", tema que Caetano escreveu para a novela "Tieta do Agreste". De fora parecem ter ficado as canções que irão constar do novo álbum de originais que o cantor irá lançar até ao final do ano, "Meu coco". O sucessor de "Abraçaço" (2012) incluirá uma versão de "Noite de cristal", tema apresentado pela sua irmã, Maria Bethânia, no álbum de 1988 "Maria", e ainda canções inéditas como "Autoacalanto", "Pardo" e "Nave mãe".
O que não faltou foi bicadas ao Governo de Bolsonaro, com esse coro final em Paris que durou mais de um minuto. Conhecido crítico do presidente brasileiro, Caetano logrou, recentemente, uma indemnização choruda paga pelo "influenciador digital" e ideólogo do Bolsonarismo Olavo de Carvalho, que acusara o cantor de pedofilia pela sua relação com Paula Lavigne, iniciada quando Veloso tinha 40 (hoje tem 79) e a futura mãe de dois dos seus filhos apenas 13.
As escaramuças com o poder não são novidade na carreira do artista, que na sua fase tropicalista dos anos 1960, coincidente com o período da ditadura militar no Brasil, foi preso (com direito a máquina zero) e exilado, juntamente com Gilberto Gil. O episódio foi contado no documentário de 2020 "Narciso em férias", de Renato Terra e Ricardo Callil. Será assim de esperar concertos onde se mesclam as gemas intemporais de Caetano e as suas fortes posições políticas sobre o presente.