Ladeado no cartaz por confessos admiradores da sua obra, como Rodrigo Amarante e António Zambujo, Caetano Veloso protagonizou o concerto mais ansiado da primeira noite do Nos Primavera Sound, no Porto.
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De mangas arregaçadas, como se estivesse na amada Bahia e não na fria Primavera portuense, Caetano entrou em palco quase incógnito no meio dos músicos que o acompanhavam, recusando entradas triunfais. A rodeá-lo um cenário dominado por quatro telas preenchidas por figuras geométricas.
Sem apresentações formais, atacou de pronto "Bossa nova é foda", tema extraído do novo e celebrado disco, "Abraçaço", que terminou com a plateia a cantar em uníssono o refrão.
Estava dado o mote para uma atuação firme e não raras vezes entusiasmante que dissipou as dúvidas de quem temia que um festival de rock não seria o habitat propício para o génio de Caetano.
Indiferentes à debandada no recinto após a atuação do cabeça de cartaz da noite, as Haim partiram para um espetáculo que, pela eficiência demonstrada, deve ter alargado sobremaneira a sua base de fãs no nosso país.
Antes, os Spoon trouxeram ao festival a primeira amostra de indie rock, tão cara, afinal, ao conceito do Primavera. Um concerto em que Britt Daniel justificou o motivo pelo qual os Spoon, mesmo com os hiatos e intermitências que sempre os caracterizaram, são uma referência para tantas bandas desde que surgiram, há 20 anos.
Privilegiando a discografia da década anterior, os texanos souberam incutir uma tonalidade groove às suas canções elegantemente construídas.
Bem menos convincente foi Sky Ferreira, pose de vedeta até à medula mas desprovida de real talento que justifique tamanhos pruridos egocêntricos. A pop imediata de Sky - que, apesar do apelido lusitano, mal consegue soletrar um esforçadíssimo 'obrigado'... - passou ao lado da plateia, com exceção de um punhado de fiéis, já convertidos à partida.
Menos turistas
O primeiro dia do 'Primavera' confirmou o predomínio de portugueses entre os espetadores, o que torna algo bizarra a opção de colocar o inglês como língua franca no recinto.
Na praça da alimentação, por exemplo, as toscas traduções de pratos típicos 'tugas' provocam inesperados momentos de boa disposição, embora, lamentavelmente, ninguém tenha tido a ousadia de anunciar "little frenchies" em vez de "francesinhas"...
Entre os estrangeiros - distinguíveis (no caso dos ingleses e nórdicos) pela alvura da pele, mas sobretudo pelas vestimentas primaveris, pouco aconselháveis para o frio que se fez sentir -, espanhóis e britânicos voltaram a ser os mais representados.
Vindos de Sheffield, Matthew e Samantha, um casal de advogados que faz da presença em festivais o seu hóbi predileto, estreiam-se no Primavera Sound Porto depois de cinco anos seguidos em Barcelona, no festival original. "É diferente... As colinas verdejantes são impressionantes. Quase parece bonito demais para um festival", diz Matthew, seguidor acérrimo dos National que aguarda com impaciência o concerto dos norte-americanos.
O arranque ainda de dia
Os músicos não são exatamente conhecidos pela pontualidade britânica, mas Os da Cidade - projeto com que arrancou a edição deste ano do Primavera Sound Porto - subiram ao palco com um rigor cronométrico, ainda o relógio mal acusara as seis da tarde.
Os aplausos tímidos que a ainda escassa plateia presente no Parque da Cidade devotou à chegada do grupo que reúne António Zambujo, Miguel Araújo, Ricardo Cruz e João Salcedo foram lentamente dando lugar a reações mais efusivas à medida que as canções ora bucólicas ora enternecedoras, mas quase sempre certeiras, foram sendo absorvidas pelo público.
"A zona VIP está às moscas! A vipalhada só vem ver o Caetano...", gracejou Zambujo, provocando algumas risadas na plateia.
Exageros à parte, é verdade que a lenda brasileira concentrou as maiores atenções no arranque do festival portuense, em que a ameaça de chuva parecia ser o único obstáculo a uma noite perfeita.
"Primavera" eclético
A edição deste ano é um exemplo do raro ecletismo e abrangência do espetro sonoro do "Primavera". Não faltam bastiões do que se convencionou chamar música alternativa (dos ressuscitados Pixies e Loop aos sempre dinâmicos Mogwai, Shellac e Godspeed You! Black Emperor), mas deteta-se também a vontade de chegar a outros géneros e públicos, como se, no fundo, estivéssemos diante de vários festivais dentro de um festival maior.
Hoje, dia em que apenas vão estar em funcionamento dois dos quatro palcos (NOS e Super Bock), dificilmente se poderia encontrar maior variedade no cartaz.