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Nome do observatório astronómico na Califórnia onde funcionou durante décadas o maior telescópio do Mundo, o Halle, Palomar é também o nome da personagem do último livro de Italo Calvino. Tal como o telescópio, o senhor Palomar observa minuciosamente, mas os seus olhos voltam-se para o que o rodeia – uma onda do mar, uma revoada de estorninhos, um gorila albino ou o seio nu de uma mulher.
Observa a existência e quer compreendê-la. Mas para cada conclusão encontra um obstáculo, porque “o seu pensamento não procede em linha reta mas sim em ziguezague, através de oscilações, desmentidos, correções.” Filósofo espontâneo, falta a Palomar um temperamento mais paciente e uma ação metódica, mas é na sua ansiedade e diletância que produz as mais inesperadas vias para o que se esconde sob a superfície das coisas.
Organizado em três áreas temáticas, que não seguem, porém, uma ordem, sendo possível “consultar” o livro aleatoriamente, “Palomar” aborda, em breves textos – e a brevidade era uma das recomendações de Calvino nas conferências reunidas em “Seis propostas para o próximo milénio” (1988) –, formas da natureza, aspetos culturais, como os símbolos ou a linguagem, e observações mais especulativas, atinentes ao cosmos, ao tempo, aos processos mentais.
O mais estimulante na obra é que confirma a ideia de que, nos grandes escritores, se encontram pistas para as grandes questões de qualquer época. O texto sobre o gorila albino no zoo de Barcelona é um pequeno tratado sobre questões de identidade. A sua indecisão sobre o modo de olhar, ou não olhar, para o seio descoberto de uma mulher na praia, antecipa muitos dos tópicos feministas atuais.
E em “Acerca de morder a língua” executa uma prática de utilidade infinita para a era das redes sociais: “Numa época e num país no qual todos se pelam por proclamar opiniões e juízos, o senhor Palomar ganhou o hábito de morder a língua três vezes antes de fazer qualquer afirmação.” Recoberto de ironia, “Palomar” diz-nos que tudo à nossa volta é digno de auscultação e questionamento.