Publicação de títulos libertos de direitos autorais é um nicho apelativo. André Gide, Wittgenstein e Sinclair Lewis são os mais disputados este ano.
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Quase todos estarão lembrados da recente profusão de edições de obras de George Orwell. Cumpridos os 70 anos da sua morte, os seus livros entraram no domínio público, permitindo a publicação em massa dos indispensáveis "1984" e "Triunfo dos porcos" (também publicado como "Quinta dos animais"), além de inéditos, biografias ou ensaios.
Se 2021 foi o ano Orwell, não se prevê que no novo ano um autor concentre tantas atenções. Ainda assim, pelas movimentações já anunciadas, André Gide surge como o autor falecido em 1951 cuja obra desperta maior apetite editorial, a longa distância de outros notáveis falecidos no mesmo ano, como Ludwig Wittgenstein ou Sinclair Lewis.
De "O imoralista", romance publicado em 1902 que causou brado pela forma como o autor francês expõe a sua sexualidade através de um alter ego, vão sair duas edições nos próximos meses, pela E-Primatur e pela Cavalo de Ferro. Esta última chancela vai publicar ainda "Porta estreita", livro de 1909 que constituiu o primeiro grande êxito do Nobel da Literatura de 1947.
regresso às livrarias
A entrada no domínio público vai permitir que os livros de Gide regressem em força às livrarias nacionais. Apesar de ter sido uma das personagens centrais da vida cultural europeia da primeira metade do século XX, a sua obra ficou praticamente inacessível para os leitores portugueses nos últimos anos, sobretudo depois de a Ambar, que publicou vários dos seus títulos, ter fechado a área editorial.
A contrariar este desinteresse generalizado esteve apenas a Sistema Solar, do editor Manuel Rosa, que em pouco mais de um ano publicou duas obras do autor de "Os moedeiros falsos": "Os meus Oscar Wilde", livro em que recorda a sua convivência com o controverso autor britânico, e "Paludes", um dos primeiros "romances dentro do romance" da história literária.
"falta de imaginação"
Se há cada vez mais editoras atentas ao nicho dos autores que entram no domínio público, poucas desenvolvem uma ação sistemática como a E-Primatur, chancela especificamente vocacionada para este segmento. Por isso, o editor Hugo Xavier adota um discurso crítico na hora de classificar este interesse editorial repentino. "Há uma grande falta de imaginação quando os autores caem em domínio público: por algum motivo fazem-se "os livros do costume"", aponta.
Todos os anos, este editor faz um levantamento exaustivo dos escritores que ficam libertos de direitos autorais. Elaborada a lista, certifica-se da exatidão das datas em mais do que um site, até para evitar a reedição do caso em que uma editora, por ter antecipado num ano a publicação de "1984", se viu a braços com um processo judicial movido pela Antígona, então detentora dos direitos de Orwell.
Palavras e sons
Winnie-the-Pooh e Agatha Christie livres nos EUA
Desde o início do ano é possível publicar livremente nos Estados Unidos obras tão marcantes como as aventuras de Winnie-the-Pooh, alguns romances de Ernest Hemingway e Agatha Christie ou centenas de milhares de arquivos sonoros de artistas como Mamie Smith ou Al Jolson.
Essa permissão não é extensiva a outros países, todavia. Apesar de os EUA terem assinado a Convenção de Berna - um tratado sobre a proteção de obras literárias e artísticas -, a aplicação que fazem da lei distingue-se da maioria. Assim, enquanto na generalidade dos países uma obra passa a pertencer ao domínio público 70 anos após a morte do autor (há países onde esse prazo é de 50 anos ou até menos), nos EUA qualquer criação fica acessível ao cabo de 95 anos. Desse modo, as obras criadas em 1926 já não implicam pagamentos autorais.
A particularidade americana não se fica por aqui, já que a Convenção de Berna estipula ainda que os países devem respeitar a legislação do país de origem do autor e da obra, mesmo que divirja da sua. Algo que não acontece, segundo Hugo Xavier, editor da E-Primatur, criando "um vazio legal em que ninguém sabe se se deve respeitar a lei americana ou aplicar as leias europeias e os seus prazos a autores e obras americanas".