Há artistas que só são notícia quando lançam um disco ou entram em digressão. Outros, como Tom Waits, o genial trovador que nos faz sentir vivos há quase 50 anos, merecem ser lembrados pelo melhor dos motivos: porque sim. Aqui ficam cinco temas sem os quais o mundo seria um pouco mais pobre.
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Já sabíamos que as músicas de Tom Waits - da força lírica ao peso da sua voz roufenha - são um território fértil onde tudo parece caber. Um mundo sem fim no qual todos os estados de alma são convocados numa celebração suprema à existência.
O que poucos sabem é que existe mesmo um Tom Waits Map, obra e graça de um fã sueco chamado Jonas Nordstrom, cartógrafo de profissão, que se deu ao trabalho de criar um mapa interativo onde constam todos os locais a que são feitas referências nas letras das suas músicas.
Sem surpresa, é nos Estados Unidos que encontramos um maior número de citações, ou não fosse o autor de "Closing time" um dos grandes narradores musicais norte-americanos. A soberba "Jersey girl", adaptada anos mais tarde por Bruce Springsteen e a sua E Street Band, é uma das letras que podemos encontrar na lista:
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Infatigáveis, as canções de Waits cruzam ambas as costas. Muito antes de diminuir de forma gritante as suas aparições públicas, o cantautor errou de terra em terra, acumulando experiências (e não só) que seriam fundamentais para as músicas que viria a compor.
Natural de uma pequena localidade do interior da Califórnia (Pomona), o músico sempre foi capaz de glosar nas suas canções pulsantes de vida tanto as metrópoles como o interior profundo. É o que acontece em "Don't go into the barn", em "Real gone", de 2004:
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Portugal também é um dos pontos de paragem obrigatória neste itinerário poético-musical, sendo apenas um dos dez países fora dos States a merecer uma referência.
Embora nunca tenha pisado os palcos portugueses, o músico já visitou o nosso país. A viagem mais demorada aconteceu no final dos anos 80, quando participou na rodagem de "Na pele do urso", filme tão estranho quanto fascinante do casal Ann e Eduardo Guedes que chegou a ser exibido nas salas nacionais. Terá sido nesse período, num dos intervalos das filmagens, que visitou Fátima. Anos mais tarde, recordou essa viagem numa entrevista a "The Independent", ao considerar esse local de peregrinação um dos sítios mais bizarros do planeta, devido à profusão de lojas que vendem artefactos religiosos.
Comentários mordazes à parte, o tema em questão que alude a Portugal tem por título "The part you throw away" e foi incluído no disco "Blood money", de 2002. A dada altura, Waits sussurra: "In a Portuguese salloon, a fly is circling around the room"
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África é um dos continentes quase virgens nas suas letras. A única menção que encontramos é uma breve referência no tema com que abre "Black rider", um dos pontos altos da sua criação artística. Em "Lucky day overture", Tom Waits, investido no papel de mestre de cerimónias circense, enumera um conjunto de atrações singulares ao dispor do público, entre as quais "Radion, o homem torso, vindo das selvas de África":
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A fria Copenhaga seria imortalizada num dos temas mais inesquecíveis do cantautor. Estávamos em 1976 quando Tom Waits rompeu em definitivo com o cancioneiro folk e assegurou com "Small change" o seu primeiro quinhão de inventividade, sucessivamente reinventado nas décadas seguintes.
Em "Tom Traubert's blues (four sheets to the wind in Copenhagen), ouvimos o lamento "gasto e ferido" de um homem que sonha voltar para casa junto da sua amada Matilda. Sem dinheiro, cambaleia pelas ruas à espera de um gesto de misericórdia que teima em vir:
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No mapa-mundi de Tom Waits, cada lugar conserva a sua alma intacta. Despidas de considerações de natureza política ou ideológica, por serem sempre falíveis ou transitórias, parecem dar razão ao seu autor quando afirmou de forma desarmante que se limitava "a tentar escrever sobre o que observo. Sou um pouco detetive. Também não me falta compaixão pela condição. Tento sempre conferir uma certa dignidade a todas as situações que descrevo e às pessoas sobre quem escrevo".