Pode "Roma" dar à Netflix o seu primeiro Oscar de melhor filme? Spike Lee ganhará como realizador? Rami Malek é tão bom que conseguirá exorbitar "Bohemian rhapsody"? Uma coisa será certa: Glenn Close já ganhou.
Corpo do artigo
Os memorialistas garantem: esta é a corrida ao Oscar de melhor filme mais aberta de que há recordação no século (cerimónia à 1 hora na Fox). Os prémios precedentes, que dão pistas ao Oscar, só espelham dispersão: a Associação de Produtores premiou "Green book", a Associação de Realizadores escolheu "Roma", a Associação de Atores coroou "Black Panther". As poderosas guildas não conseguiram aglutinar apoios num só favorito, revelando literalmente que qualquer um pode ganhar.
O escrutínio preferencial favorece "Roma", a súpera tese de amor fraterno do mexicano Alfonso Cuarón, com dez nomeações e produção Netflix - seria histórico: nunca um filme de uma plataforma "streaming" ganhou o Oscar maior. Mas "Green book", drama rácico do iconoclasta Peter Farrelly sobre a flórea amizade entre o pianista afro-americano Don Shirley (Mahershala Ali, nomeado) e o seu motorista italo-americano (Viggo Mortensen, secundário) na América racista dos anos 60 tem boas chances, apesar de o filme, demasiado contido, não nos atiçar como devia.
Ciclópica surpresa seria a vitória de "Black Panther", a primeira obra de super-heróis de sempre a correr para melhor filme (7 nomeações) - não, o Batman de Christopher Nolan, "The dark knight" (2009), assombrosa alegoria "noir" pós-11/9, não chegou à nomeação do Oscar do ano; mas premiou, e com justíssima honorabilidade, o Joker de Heath Ledger, que falecera nesse ano.
Nos bastidores do poder
Dos oito concorrentes, se pudesse haver ex aequos, a escolha estaria aqui, em dois filmes muito engenhosos sobre o poder e a sua congénita corrupção: "Vice" (8 nomeações), sardónica biografia de Dick Cheney, vice-presidente de Bush Jr., arquiteto da invasão do Iraque em 2003 e comprovado criminoso de guerra nunca julgado; e "A favorita" (10 nomeações), comédia do superlativo grego Yorgos Lanthimos cheia de escabro, sinapses e riso nervoso sobre a corte da rainha Ana da Grã-Bretanha e a suas consortes-amantes. Arreliosa seria a vitória de "Bohemian rhapsody", um filme divisivo e assaz oco para lá do seu talentoso ator Rami Malek/ Freddy Mercury - mas quem tem mãos mede o fogo...
Com o "star power" convocado, há um casal (também além da ficção?) a fazer sensação: Bradley Cooper e Lady Gaga, a força por trás de "Nasceu uma estrela" - e que dará à cantora de "Shallow" o primeiro Oscar à primeira nomeação. O drama musical é sobre a lenta agonia de uma estrela country, a florescência de uma cantora estreante e a doce e agra relação que nasce no meio dos dois.
As polémicas da ordem
Num tempo americano, logo global, de pós-verdades, esborrifos políticos e indignação instantânea virtual, há sempre polémicas. São estas as deste ano: a cerimónia não tem anfitrião, o que não sucedia desde 1989 (ninguém substitui Kevin Hart, que se retirou após ressurgirem os seus tweets homofóbicos do passado); a Academia recuou quando disse querer eliminar da emissão prémios de categorias "menores" (para encurtar uma cerimónia que dura quatro horas e há anos que perde audiências); e recuou ainda quando quis criar a categoria Filme Mais Popular, colando-se despudoradamente ao dinheiro e à bilheteira, mas sem perder a costela "arty" que lhe dá deferência, além de centelha.
Nem de propósito: há muito tempo, pelo menos desde 2013, o ano em que venceu, e bem, Ben Affleck e "Argo", que não se viam tantos produtos tão populares nos corredores ao melhor filme. É praticamente a overdose da bilheteira: o provento combinado dos oito filmes, e contando só o "box office" dos EUA, superou já mil milhões de dólares em lucros...
E já tínhamos reparado nisto? Há dois portugueses que podem ir ao Oscar: Joana Niza Braga e Nuno Bento, 27 anos ambos, correm na pista de som do documentário "Free solo". É razão que basta, além de o filme é favorito, para o fazer estrear cá.
As nossas apostas
Melhor filme
Roma
Alfonso Cuarón
A poética masterclass do amor fraternal e da infância de Cuarón no México de 70 é consensual e parece imbatível (10 nomeações) - pode triunfar ainda como filme estrangeiro. Ombreia em alcance artístico com "Vice" e "A favorita", mas este, que é grego, ácido e alienígena, é polarizador.
Melhor realizador
Spike Lee
BlackkKlansman
Talvez nunca tivéssemos reparado: Spike Lee, 61 anos, excelso cronista da raça e das suas iniquidades, nunca ganhou o Oscar competitivo. Far-se-á História? Este ano Spike pode abocanhar três: filme, realizador e argumento (tem 6 no total) e só Alfonso Cuarón faz frente a esta ótima comédia KKK da vida real.
Melhor Atriz
Glenn Close
A mulher
A atriz de 71 anos foi nomeada 7 vezes e nunca ganhou - nem com as superlativas composições de "Atração fatal" (1987) ou "Ligações perigosas" (1988). Com o Globo de Ouro já agasalhado, é magnética e comovente no papel de uma mulher resiliente que se rebela contra o marido. É o seu ano.
Melhor ator
Rami Malek
Bohemian Rhapsody
Só Chistian Bale, que emerge de dentro do corpo de Dick Cheney em "Vice", pode desafiar o superfavorito Malek, que dá espessura e dimensão psicológica a Freddy Mercury no monocórdico "Bohemian raphsody". Quem devia ganhar? O lancinante Willem Dafoe, que é Van Gogh "À porta da eternidade".
Os nomeados
Melhor filme
Black Panther
BlackkKlansman
Bohemian raphsody
A favorita
Green book
Roma
Assim nasce uma estrela
Vice
Melhor realizador
Spike Lee, BlacKkKlansman
Alfonso Cuarón, Roma
Pawel Pawlikowski, Guerra Fria
Yorgos Lanthimos, A favorita
Adam McKay, Vice
Melhor atriz
Yalitza Aparicio, Roma
Glenn Close, A mulher
Olivia Colman, A favorita
Lady Gaga, Assim nasce uma estrela
Melissa McCarthy, Can you ever forgive me?
Melhor ator
Christian Bale, Vice
Bradley Cooper, Assim nasce uma estrela
Willem Dafoe, À porta da eternidade
Rami Malek, Bohemian Raphsody
Vigo Mortensen, Green book
Melhor atriz secundária
Amy Adams, Vice
Marina de Tavira, Roma
Regina King, Se esta rua falasse
Emma Stone, A favorita
Rachel Weisz, A favorita
Melhor ator secundário
Mahershala Ali, Green book
Adam Driver, BlackkKlansman
Sam Elliott, Assim nasce...
Richard E. Grant, Can you ever...
Sam Rockwell, Vice
Melhor documentário
Free solo, Jimmy Chin
Minding the gap, Bing Liu
Hale county this morning, this evening, RaMell Ross
Of fathers and sons, Talal Derki
RBG, Julie Cohen, Betsy West
Melhor filme estrangeiro
Roma, Alfonso Cuarón
Capernaum, Nadine Labaki
Guerra fria, Pawel Pawlikowski
Shoplifters, Hirokazu Koreeda
Never look away, F. Henckel
Melhor animação
The Incredibles 2
A ilha dos cães
Ralph na Internet
Homem-aranha: universo aranha
Mirai no mirai