Cineasta chileno fala de "A cordilheira dos sonhos", nas salas esta semana.
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Depois de "A nostalgia da luz" e "O botão de nácar", o veterano e prestigiado documentarista chileno Patricio Guzmán continua uma volta ao território do seu país com "A cordilheira dos sonhos". Mas, por detrás da evocação desta enorme linha de montanhas que separa o país do resto do território sul-americano, esconde-se também uma viagem pela sua traumática história recente, marcada pela ditadura de Pinochet. O realizador, que já denunciara esse período na famosa trilogia "A batalha do Chile", encontra-se com um cineasta amador, que filmou horas e horas de manifestações e repressões policiais, que guarda numa filmoteca muito especial. O filme estreia-se entre nós em sala esta quinta-feira e estivemos a falar com o realizador.
Quando é que decidiu que ia fazer uma nova trilogia sobre o seu país?
O processo arrancou muito lentamente. Quando comecei não sabia que ia ser um projeto em três partes. Fiz a primeira parte, depois com a segunda veio a terceira. Agora talvez haja uma quarta, ainda não sei.
Neste terceiro filme a mensagem é mais frontal, menos poética.
Tem razão, é mais direto. É a expressão perfeita. Tem menos metáforas. Mas não sei porquê. Quando comecei a procurar as pessoas e a ouvir o que diziam, o tema da cordilheira não os inspirava tanto, eram muito mais diretos na abordagem da história do nosso país.
Mas a cordilheira seria um símbolo de quê, afinal?
É uma parede, que nos divide. É tão alta e tão larga que estamos sempre a olhar para ela. Diz-nos que o país acaba ali. É como estar numa fronteira. O Chile todo. Há momentos em que não a vemos, mas psicologicamente está sempre lá. Nos livros de História só nos falam de cordilheira e do Oceano Pacífico. O país é como um esparguete. É a nossa limitação como país.
A ditadura aproveitou-se desse isolamento do país?
A ditadura sobreviveu graças a um exército competente. O exército chileno é muito bem organizado. Foi por isso que a ditadura durou tantos anos. Não foi pela cordilheira.
No filme só vemos as partes naturais da cordilheira, sem qualquer turismo. Há outras partes que são exploradas nesse sentido?
Há quatro ou cinco pistas de esqui, muito procuradas pelos turistas. O resto é uma montanha árida, seca, dramática, dura. A cordilheira não é um local muito agradável. É uma muralha cinzenta, pouco hospitaleira. À noite, pode parecer terrível. E é vulcânica. No Chile, os terramotos são um grande problema.
Quando é que descobriu os arquivos do Pablo e em que medida é que mudaram o sentido do projeto?
Em quase todos os filmes documentais, ao princípio não se sabe qual vai ser a personagem principal. Vai aparecendo aos poucos. O Pablo mostrou ser uma personagem magnífica, que oferecia temas esplêndidos. E tinha os seus próprios arquivos. O filme deu uma volta. Também nunca se sabe como vai acabar um documentário, a realidade é que nos vai guiando.
Até que ponto os jovens chilenos de hoje, que não viveram debaixo da ditadura, estão interessados em saber coisas sobre esse período?
Há um fenómeno novo na sociedade chilena, entre os jovens. Jorge Baradit, um excelente escritor, escreveu um livro em três volumes chamado "História secreta de Chile". E tornou-se um best-seller. É um fenómeno novo, este interesse pela história recente do país, há pouco tempo não seria possível.
Nanni Moretti fez "Santiago, Itália". O que pensa do filme?
De cada vez que há um filme sobre o Chile, são muito parecidos. Todos. Fiquei muito contente que o Moretti tenha feito o filme dele. Mas pareceu-me mais um documentário de televisão, não aprofunda muito as coisas. Só chega a um certo ponto. É uma coleção de entrevistas, não é um filme.
O que impressiona nas imagens do Pablo é que a polícia à volta dele o deixa filmar. Será que nessa altura a ditadura ainda não tinha percebido o poder da imagem?
O Pablo correu sempre grandes riscos. Foi sempre perigoso filmar. Ele era muito hábil, colocava-se sempre na retaguarda. Filmou durante 20 anos, todos os dias. Foi atacado duas vezes. Mas sabia mexer-se, sabia sempre onde é que havia de se meter. Tinha credenciais, até internacionais, que o podiam pôr a salvo, mas não muito. Era como um repórter de guerra.
Como é que o conheceu?
Já o conhecia antes do filme. Já o tinha visto filmar. E toda a gente contava histórias sobre o que ele fazia. Sempre foi uma pessoa de que se falava muito. Mas nunca me tinha aproximado tanto dele como para fazer este filme.
Sendo um exilado, fazer filmes sobre o seu país é uma forma de regresso?
É verdade que não posso voltar ao Chile. Hoje é outro país. E eu sou outra pessoa. Acho que vou viver para sempre fora do meu país. Mas viver dentro ou fora não é muito importante. O importante é o que temos na cabeça.
Vivendo há tanto tempo fora do país, ainda pensa e escreve em espanhol?
Sim, sou muito mau com as outras línguas.
Está otimista em relação ao futuro do seu país?
Sim, apesar de tudo.
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