"A Praia", da autoria do dinamarquês Peter Asmussen fica em cena até dia 24, no Teatro de Carlos Alberto. Em palco, dois casais relacionam-se "numa necessidade de consolo impossível de satisfazer, própria dos tempos modernos".
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Dois casais encontram-se no mesmo hotel junto ao mar, onde são os únicos hóspedes, num lugar onde não acontece nada. Ano após ano, regressam àquele ambiente inóspito, gravitando entre o hotel e a praia, numa coreografia de micro tensões. É magnético o que se desfia no palco desde o início d"A Praia", espetáculo que marca o arranque da nova temporada do Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, e está em cena, até dia 24, no Teatro de Carlos Alberto.
Neste espetáculo, o encenador João Reis regressa a uma casa onde já esteve muitas vezes, também como ator, com uma peça da autoria do dinamarquês Peter Asmussen (Copenhaga, 1957), uma coprodução entre o TNSJ, o Teatro Municipal São Luiz (onde "A Praia" estreou em julho passado) e a companhia O Lince Viaja. Ele participou em várias produções do TNSJ, como Macbeth, de William Shakespeare (2017, com encenação de Nuno Carinhas); Noite de Reis (1998) e Hamlet (2000), de Shakespeare, e Turismo Infinito (2007, 2014, 2020), encenações de Ricardo Pais.
N´"A Praia" pode encontrar-se uma ponte para viajar entre dois confinamentos - aquele de onde acabamos de sair, por força da covid-19; e aquela onde podemos sempre ficar retidos, por força da incapacidade, ou falta de vontade, em sair de uma prisão emocional. Entre os quartos, a sala de refeições e a praia diante do hotel, os dois casais - interpretados por João Pedro Vaz, Filipa Leão, João Vicente e Lígia Roque -, deambulam pelo espectro da impossibilidade da fuga, retidos na teimosia de permanecer no desencanto que atinge proporções de loucura e obsessão.
Desenrola-se, em palco, "um somatório de equívocos e desencontros, desenvolvidos habilmente por Asmussen em quatro andamentos distintos, onde percebemos alguns dos sinais que alimentam e ampliam os efeitos de uma catástrofe emocional, próxima da depressão ou de outras patologias no contexto da saúde mental", assinala o encenador, na apresentação do espetáculo. É inevitável reconhecer o paralelismo com o confinamernto, assumido pelo encenador como "apenas coincidências", já que Asmussem escreveu a peça há 25 anos.
"Não há nenhum lastro, nenhum efeito de contaminação", refere o encenador, declarando-se, contudo, mais habilitado agora para apreender a essência do texto,do qual foi também tradutor (há uma edição, com versão para teatro de Pedro Mexia, da Tinta da China, de 2018). "Depois de uma pandemia que nos atordoou de forma implacável, a meio de uma guerra que potencia medos e inseguranças de natureza diversa, olho hoje para este quarteto de um modo menos estranho ou distanciado", partilha.
Há ocasiões em que as quatro personagens parecem estar prestes a rebentar a sua bolha de tédio e desconsolo, mas algo os faz recuar ou desistir. A ação acaba por ser, afinal, uma corrida em redor da própria cauda, da inércia - revelando um espectro de formas de se ajustarem, e aguentarem, a viver dentro dela. Até o prato sem gosto da vida se tornar a única comida que desejam. Há hiper fixações a criar alguns momentos de tragicomédia; e há crescendos que desmaiam antes do clímax; e há sempre a esperança de que eles acabem por conseguir salvar-se.
Ao longo de duas horas de espetáculo, a restante vida dos casais perde importância - ela parece ser apenas a sala de espera das férias no hotel, cada vez mais decadente, onde se reencontram. "O tempo que aqui corre e se instala é um tempo em desaceleração, um tempo que corre paralelo à agitação diária e aos desacertos comuns entre humanos e as suas aspirações, mas há qualquer coisa de absolutamente tangível entre esta Praia e uma necessidade de consolo impossível de satisfazer, própria dos tempos modernos, do 'spleen' que de quando em vez nos devolve os medos e os fantasmas que vamos acumulando", refere João Reis.
"A Praia" fica em cena até 24 de setembro, e pode ser vista esta quinta e sábado às 19 horas, sexta às 21 horas, e domingo às 16 horas. Os bilhetes custam 10 euros.