Um dos mais importantes criadores teatrais dos últimos 50 anos chegou a Portugal à procura do "amor" - tema e título do espetáculo que começou esta semana a ser trabalhado no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, no âmbito do projeto de criação Rota Clandestina. A estreia de "Amore" está agendada para outubro no Teatro Storchi, em Modena, Itália, e chegará a Portugal em novembro do próximo ano, ao São Luiz, em Lisboa.
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A busca pelo amor era antiga, mas foi durante os confinamentos que Pippo Delbono, residente em Pietra Ligure, percebeu que num "período de medo, morte e encerramento o amor é ainda mais necessário porque é o mais forte contraste com toda a situação", explicou o encenador em conversa com o JN. A ideia de falar do amor, de um "modo laico e sonhador", é anterior ao convite que Renzo Barsotti, diretor artístico da Rota Clandestina, lhe endereçou para que concebesse de raiz uma nova criação em Portugal, mas o país, que Delbono conhece sobretudo através do fado e da poesia de Pessoa, pareceu-lhe, pela sua "amenidade e pela própria língua, a pronúncia, a musicalidade", ser o lugar ideal para encontrar essa "qualidade totalmente humana que é o amor".
Uma qualidade que não deverá ser retórica, sublinhou Delbono no seu texto de lançamento do trabalho, que terá a participação de artistas portugueses como o guitarrista Pedro Jóia, o dramaturgo Tiago Bartolomeu Costa, a artista plástica Joana Villaverde, ou a cantora angolana Aline Frazão: "Estamos em contínua busca de amor, todos nós, através das vicissitudes dolorosas que a vida nos reserva e que se passam a custo - e a conduzir-nos talvez esteja essa busca incansável. Quero tentar levar para o teatro algo que comunique esse amor, sabendo que como ponto de partida escolhemos uma terra como Portugal, tão profundamente caracterizada por um imaginário melancólico, pungente, elegíaco. Um lugar feito de paixão, saudade, mas também, e especialmente neste tempo, de morte".
"Amor, essa coisa mágica"
Levar as experiências da vida para dentro do teatro foi sempre o que distinguiu a arte de Delbono, que começou por aprender os rigorosos métodos do teatro oriental e teve em Pina Bausch um dos seus grandes mestres. A vida levada para o teatro, não como retórica, mas com exemplos materiais como "Il silenzio", espetáculo de 2000 montado em cima das ruínas de Gibellina, cidade destruída por um terramoto em 1968; ou "Esodo" (1999), que contou no elenco com crianças refugiadas do Líbano, Albânia e Sara Ocidental. Mas o maior exemplo talvez seja a composição da Compagnia Pippo Delbono, cujo primeiro espetáculo, "Il tempo degli assassini" (1986), um prodígio de sensibilidade, inteligência e sentido de humor passou pelo Auditório de Serralves em 2007: entre os atores que integram o grupo há décadas, encontram-se pessoas provenientes de diversas situações sociais de exclusão, como Armando, um paralítico que arrastava as muletas pelas ruas de Nápoles, ou o famoso Bobò, desaparecido em 2019, surdo-mudo que viveu mais de 40 anos em instituições psiquiátricas e se tornou "o gesto e a alma" do teatro de Delbono.
Para "Amore" não existe qualquer texto prévio. Como quase sempre nos seus espetáculos - a exceção foi "Henrique V", única produção italiana até à data a ser apresentada na Royal Shakespeare Company -, Delbono vai escrevendo em cima do palco à medida que o espetáculo se desenvolve. E Portugal vai ser parte dessa matéria verbal com que Pippo quer encontrar o amor, "essa coisa mágica e surpreendente que eu ainda não compreendi".
O Rota Clandestina irá apoiar ainda espetáculos de Marco Martins e Victor Hugo Pontes, além de outras produções internacionais, pensadas numa lógica de parceria com artistas portugueses, com o fito de envolver o território e a comunidade.