Dois filmes, uma série, uma banda sonora inteira, uma canção sozinha e, de bónus, uma certeza: o caminho mais perto para um final feliz é tentar. Tentar todos os dias.
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"Malcolm & Marie", escrito e realizado por Sam Levinson, o autor da série "Euphoria", de que já falámos aqui, é o tipo de filme que tem tudo para levar os críticos a pegarem no picador de gelo para destilar a fúria. Aquele registo preto e branco (maravilhoso) a armar ao retro chic, aquela banda sonora (maravilhosa) a mandar-nos para os anos 1960 e 70 da América, aquela casa maravilhosa como cenário de cortar a respiração e o pretensiosismo de que os diálogos são tão bons que aguentam a bola de pingue-pongue em loop, pode mesmo prestar-se a dissertações inglórias. Talvez isso tudo esteja lá, mas e depois? "Malcolm & Marie", que estreou na última sexta-feira na Netflix é um belíssimo filme - e não é propriamente de amor, embora o amor esteja sempre lá.
Filmado durante o confinamento, o filme socorre-se apenas de dois atores - a atriz-acontecimento do momento, a bela Zendaya, e o treinado filho de Denzel Washignton, John David Washignton - e do seu discurso. E talvez não seja assim tão comum, no cinema que se pretende comercial, que um filme se desenrole como se se tratasse de uma peça de teatro, com longos monólogos e longos silêncios. Aquele casal sexy e acelerado está no plateau mas podia estar num palco, acaba de chegar a casa depois daquela que poderia ter sido a melhor noite da vida dele (ele acaba de estrear um filme que une público e críticos na comoção) mas que ela, ex-atriz e ex-toxicodependente, ela que tem a certeza que o filme vampiriza a sua vida e as suas fragilidades, decide tentar transformar numa das piores. Vale a pena descobrir porquê e saborear o elástico de cada um dos argumentos daquele jogo hiper romântico e hiperbolicamente dramático.
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Também da mais do que previsível inspiração do confinamento veio "Locked down", o filme realizado por Doug Liman em apenas 18 dias. Chegou este mês à HBO Portugal, com a bênção da crítica, e traz de volta a belíssima Anne Hathaway. Já nós voltamos a entrar dentro de uma casa a arder (desta vez, é em Londres e não em Los Angeles), e portanto dentro da história de um casal à beira da rutura, que fica preso na decisão de separar-se por causa do confinamento. Linda (Anne Hathaway) e Paxton (Chiwetel Ejiofor) são os protagonistas de um desafio regado a vinho e a poesia. Será suficiente para que se redescubram e reconsiderem o divórcio?
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No segundo canal da estação pública, a sugestão vai para a série "257 razões para viver" e, logo à partida, o título não deixa margem para grandes dúvidas: alguém está a morrer e faz uma lista de tudo o que quer fazer enquanto viver. Não é bem assim, mas quase. Depois de uma dura batalha de três anos, o cancro da jovem Zhenya entra finalmente em remissão e ela percebe que, por muito duro que seja, às vezes é mais fácil render uma doença do que vencer a imbecilidade de algumas pessoas. A imbecilidade do namorado dela, por exemplo. Ou dos colegas que estavam preparados para perdê-la e não para a verem recuperada. Ou da própria família. É nessa altura que Zhenya decide voltar a pegar na tal lista que fez quando o futuro que estava escrito no primeiro diagnóstico era ainda uma incógnita.
Já aqui tínhamos falado de "Small axe", a minissérie obrigatória que Steve McQueen fez para a BBC, alertando também para a banda sonora daqueles cinco episódios, um em particular - "Lovers rock". Esta semana, o diário espanhol "El País" foi mais longe e decidiu organizar uma playlist. É justo. Quando um realizador dedica dez minutos de um total de 69 de um capítulo, a uma canção - a "Silly games", de 1979 -, isso merece que se vasculhe, organize e batize o baú da memória. É reggae romântico e, sim, o final feliz pode muito bem estar aqui.
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Na nova canção que precede o álbum "Distractions" que os Tindersticks vão lançar daqui a nada, a 19 de fevereiro, é que não está de certeza. Mas "Man alone (can't stop the fadin')" não deixa de ser uma bela canção em 11 (sim, 11) minutos. Precisamos urgentemente de finais felizes, mas isto de tentar encontrá-los na ficção é quase tão difícil como na vida real. O melhor é cada um continuar a tentar escrever o seu, todos os dias. Boa sorte.