Mais de duas décadas após o último disco, a banda de Jarvis Cocker mostra que não perdeu o encanto – e que quer “mais”. O novo “More” já chegou às lojas.
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‘Mojo’, palavra inglesa universalizada para definir um carisma especial que faz algo ou alguém brilhar, um charme, magnetismo, único e quase inexplicável. É o que se sente ao viajar pelo novo disco dos Pulp, o seu primeiro em 24 anos: que não o perderam, o seu ‘mojo’. O novo “More” é um querer mais sem perder o que ficou para trás, sem largar o carisma, a maneira única de contar histórias e orquestrar melodias, as peculiaridades e o magnetismo que levaram o grupo a um lugar de culto do britpop na ala mais indie. “More” é mais do que um disco de regresso, é o mundo a redescobrir os Pulp quando mais precisava.
A banda de Jarvis Cocker tem quase 50 anos de carreira, os mesmos, ou mais, de vida de muitos dos seus seguidores. Cocker tem agora 61 anos – iniciou o grupo com apenas 15, e na verdade nunca parou: ao longo dos últimos anos, editou vários álbuns a solo, incluindo um cantado em francês.
Agora, reúne-se com os membros clássicos da banda, Mark Webber, Nick Banks e Candida Doyle, e é aí que a magia parece morar. Os elementos estão a entrar na idade do amadurecimento, mas é notório, na música e letras, como a meia idade lhes assenta bem: sem excessos de nostalgia ou de colagens, sem quererem ser o que não são, apenas fiéis a si mesmos, constantes, vintage quanto baste, mas com novas ideias para mostrar.
Editado pela Rough Trade, “More” é o oitavo trabalho de estúdio dos Pulp, o primeiro desde “We love life” (2001), e também o primeiro sem o baixista Steve Mackey, que faleceu em 2023 – e a quem o disco é dedicado. Foi produzido por James Ford (Arctic Monkeys, Fontaines DC), e gravado e mixado no Orbb Studio em Walthamstow em apenas três semanas, com secções de cordas e músicos ao vivo.
O resultado são 11 temas que parecem colocar instantaneamente, de novo, se é que alguma vez de lá saíram, os Pulp no grupo dos grandes, dos fundamentais: mais até do que antes do prolongado hiato, quando
o interesse do público pelos seus discos, sobretudo por “We love life”, parecia esmorecer.
A pausa, a vida, o que for, o desejo e entusiasmo de voltar – expresso por Cocker em várias declarações - fizeram-lhes bem. O álbum é pop, rock alternativo e disco, tem a peculiaridade e o charme, tem os arranjos detalhados e melódicos, as letras provocadoras, eruditas, por vezes irónicas, as atmosferas cinematográficas, a voz e maneira de cantar únicas de Jarvis, a sua singular sensualidade e excentricidade na interpretação: nada se perdeu, tudo retorna, com novos temas; um verdadeiro gáudio, antecipa-se, para os fãs.
Temas do amadurecimento e do amor
O disco começa com “Spike island”, canção pop com um refrão clássico e perfeita nos arranjos, sobre o mítico concerto dos Stone Roses nesta ilha abandonada em 1990, uma espécie de nota introdutória, podemos adivinhar, ao porque é que os Pulp ainda aqui estão, a fazer música, este tempo depois.
Todo o disco tem um pouco essa nota, Cocker vai falando de amor, da vida, de amadurecimento, de ilusão, parece haver sempre um paralelismo, mais ou menos óbvio, entre o estado do mundo e a importância, tão simples e essencial, da música, e do amor – como que justificando, em nota de rodapé, o regresso.
“Tina” é uma balada de amor, novamente com produção minuciosa, as pausas e arranques características, “Grown ups” um tema clássico sobre a meia idade cujo ritmo base se nos retém na cabeça como todos os clássicos britop tinham o condão de fazer. Em “Slow jam” voltam as letras na mouche, Cocker canta como “andaste pela vida, agora andas em reverso; passaste de ‘tudo o que poderias ser’, para ‘tudo o que um dia foste’”.
“Farmers market” é uma deambulação mais jazzística em ode meio irónica a Los Angeles, “Background noise” uma catarse de orquestra em crescendo e o bloco final do disco – “Partial eclipse”, “Hymn of the north e “A sunset” – é mais introspetivo, mas nem por isso menos aprimorado.
E, no meio disto tudo, há “Got to have love”, cinco minutos daquela que já é considerada por alguns como uma das melhores músicas dos
Pulp – o que é dizer muito, quando falamos da banda que nos trouxe “Common people", "Disco 2000" e “This is hardcore”. “Got to have love” é um tema a soar a Pulp e à música dos anos 70, onde dançar não era opcional, é um regressar à essência, um hino, o amor a salvar o dia. “’Amor’ é uma palavra que não conseguia pronunciar até me aproximar dos 40”, explica Cocker, na sinopse. “Ouvia canções de amor a toda a hora, mas não conseguia usar a palavra na vida real. A letra desta música é uma conversa comigo mesmo sobre esta situação. Agora já aprendi a dizer isto mantendo a cara séria: ‘Temos que ter amor’”.
O tema é acompanhado por um vídeo realizado pelo vocalista, com cenas do icónico documentário de 1977 sobre o “Wigan Casino”, realizado por Tony Palmer, combinando as cenas dos dançarinos de Northern Soul com a música. No vídeo, os fãs comentam como “sempre foi os Pulp” e como se lembram agora porque se encantaram por eles. “É a canção perfeita, para estes tempos conturbados”, escreve-se.
Para Cocker, a ambição do grupo é simples: “que gostem da música. Ela foi escrita e tocada por quatro seres humanos do Norte da Inglaterra, auxiliados e instigados por outros cinco seres humanos de vários locais das Ilhas Britânicas. Nenhuma IA esteve envolvida durante o processo. Este álbum é dedicado a Steve Mackey. Isto é o melhor que sabemos fazer”.