No primeiro álbum de Pedro Branco a nostalgia conversa com o otimismo.
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Continua a revelar-se música nascida nas condições inéditas do confinamento. Assim é com o primeiro álbum por conta própria de Pedro Branco, a guitarra clássica em primeiro plano, uma dúzia de faixas registadas no quarto de infância a que o músico e compositor regressou nos dias agudos da pandemia.
O autor, que leva alguns anos de colaborações, passagens por bandas (You Can"t Win, Charlie Brown) e atividade de palco (com Noiserv, Lena d"Água, Benjamim, Salvador Sobral), encara "A narrativa épica do quotidiano" como uma "emancipação e um salto para fora de pé".
O salto soa seguro, cheio de promessas e confirmações. Tem introspeção, clareza tátil e a frescura do orvalho em momentos como "Vira-lata", "Carta a JMB", "Pressão na fronteira" e "Lisboa".
Mas "A narrativa épica do quotidiano" não é um disco para guitarra despojada. As colorações orquestrais sintéticas, subtis ou mais ostensivas, assim como um catálogo de ruídos, são essenciais para que os temas rasguem horizontes. "Foguete do Adão" é uma peça erudita antes de ser perturbada por um catálogo de efeitos eletrónicos lúdicos. "Norman" traça um percurso semelhante: não menos erudito, trata as cordas com outra intensidade, antes de o tema se resolver num quadro solar orquestral singelo que remete para os verões sónicos de The High Llamas. "Despedida", melancólica, é pontuada por silvos metálicos gerados no fio do horizonte e que encetam uma lenta aproximação.
O trio de faixas cantadas (por Noiserv, Tipo e o próprio Pedro Branco), embora estimável e contextualizado, não dança com a mesma riqueza de possibilidades dos temas instrumentais, o espetro da imaginação apertado por um colete de forças.
Em "A narrativa épica do quotidiano" a nostalgia e o otimismo conversam sem pausas. É uma aliança expressa logo desde a exuberante capa, a partir de uma fotografia de Teresa Lopes da Silva, e sintetizada na despedida, na doce tensão entre o mundo interior e o exterior de "A salvação da incerteza".
A narrativa épica do quotidiano
Pedro Branco
Ed. Autor