"Petite fleur", do cineasta argentino Santiago Mitre, é uma deliciosa variante da comédia romântica. Estreia esta quinta-feira nas salas nacionais.
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Nas últimas décadas o cinema argentino tornou-se um dos mais apreciados em todo o mundo, com um conjunto vasto de cineastas, Lucrecia Martel à cabeça, capazes de propor filmes de grande originalidade, com forte identidade autoral, capazes de dialogar com o público. De nicho, é certo, mas qual não o é, com exceção dos blockbusters de Hollywood?
Recentemente, Santiago Mitre juntou o seu nome a esse grupo de autores, chegando mesmo à nomeação aos Oscars com o drama político "Argentina, 1985". Rodado em 2022, chega-nos agora "Petite fleur", um filme que utiliza com inteligência os benefícios de uma coprodução alargada, com França, Bélgica e Suíça.
A ação começa como uma aparente comédia romântica sobre as disputas de um jovem casal com um bebé, derrotados já pela rotina, pelas dificuldades económicas e pela necessidade de se ausentarem das raízes para sobreviver.
Quando José, o argentino do casal, fica sem emprego, vai a casa do vizinho pedir emprestada uma pá, para se entreter no jardim. Entra em cena um Melvil Poupaud sempre divertido a compor um "boneco", neste caso um amante de jazz que introduz ao nosso herói as belezas do clássico de Sidney Bechet que dá título ao filme.
O distribuidor português decidiu, e bem, manter o original, mas em língua inglesa, seguramente com receio do "mercado", optou-se por "15 ways to kill your neighbor" ("15 maneiras de matar o seu vizinho", em tradução literal).
Ora, se na vida só se pode matar alguém uma vez, percebe-se que o filme deriva para a fantasia, forma aliás com que Santiago Mitre, com toda a liberdade criativa, se foi afastando dos escolhos da comédia romântica mais tradicional. Junte-se-lhe um Sergi López em modo truculento de terapeuta do outro lado do casal e temos filme.
"Petite fleur" é, pois, um filme que acredita no espectador, na sua capacidade de "participação", no seu desejo de ser surpreendido na suspensão da descrença, de ser levado para outros terrenos. Por vezes delicado, por vezes feroz, mas sempre munido de um humor que a muitos agradará, "Petite fleur" é a confirmação de mais um cineasta a acompanhar.