Richard Osman, autor de "O clube do crime das quintas-feiras", regressa com "O homem que morreu duas vezes". Em entrevista ao "Jornal de Notícias", o popular autor britânico diz que a escrita veio para ficar na sua vida.
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De popular apresentador televisivo em Inglaterra a nova estrela global do firmamento literário. Foi este o improvável trajeto de Richard Osman, autor de "O clube do crime das quintas-feiras", livro que vendeu cinco milhões de exemplares em todo o Mundo - quase 20 mil Portugal - e vai ser adaptado ao cinema por Steven Spielberg. Em conversa com o "Jornal de Notícias" a propósito de "O homem que morreu duas vezes", Osman afirma que a escrita veio para ficar na sua vida. Quer venda milhões ou não.
Qual a sensação de ser uma dupla celebridade? É conhecido há muito pelo seu percurso televisivo e agora também pelos livros que escreve.
É verdade que em Inglaterra as pessoas se habituaram a ver-me na televisão e, por isso, abordam-me muito na rua. Ultimamente, as pessoas abordam-me mais para falar dos meus livros, das histórias e das personagens. Mas o que me agrada mais é que, em países como os Estados Unidos, Portugal ou Alemanha, as pessoas não me conheciam de todo e mesmo assim têm lido os meus livros. É fantástico viajar pelo Mundo e conhecer pessoas que não fazem ideia que sou famoso no meu país.
Como é que assimilou o impacto tremendo que teve o primeiro livro da série?
Acabei por ter bastante sorte, porque escrevi o segundo livro antes de o primeiro ser publicado. Se estivesse a escrever o segundo sabendo que tinha vendido cinco milhões, acho que ficaria impossível de aturar. Agora estou mais confiante e lido melhor com o êxito, que me permite conhecer novas pessoas e viajar por diferentes países.
Está a escrever o terceiro livro agora. Saber que tem muita gente à espera muda algo?
Gostava de dizer que nada mudou, mas não é bem assim. Tento ignorar o que as pessoas me dizem quando me encontram na rua para falar de uma personagem ou de um elemento da narrativa, mas nem sempre é fácil.
A ideia que tinha do meio literário era muito diferente do que foi encontrar?
Como esta é uma indústria muito competitiva, estava à espera que muita gente ficasse furiosa com o meu êxito. Mas aconteceu o contrário. Foram todos adoráveis comigo. Dos escritores aos livreiros, mas sobretudo os leitores, que são maravilhosos.
Não encontrou um lado mais conservador desse meio, que o viu como um intruso?
De certeza que deve haver quem se sinta ressentido, mas, pelo menos, nada me chegou. No geral, o meio foi muito caloroso. O que me surpreendeu, porque, estando na televisão há tanto tempo, estou muito habituado à crítica.
Quando pensamos em detetives-heróis, não pensamos propriamente em quatro simpáticos velhinhos. Esse caráter insólito ajudou ao êxito?
Creio que sim. O livro é sobre toda a gente. Em Inglaterra - não sei se se passa o mesmo em Portugal -, há uma fatia de pessoas que é quase invisível aos olhos de todos. E tendemos a subestimá-las, achando que não são lá muito espertas. Ora, essas duas características são perfeitas para quem quem ser detetive. Podem agir a seu bel-prazer, pois ninguém acredita que são capazes de deslindar casos de mistérios. A série é, por isso, uma homenagem a todas essas pessoas que, embora esquecidas por todos, revelam grande coragem e sabedoria.
Os leitores identificam-se?
Espero que sim. Os leitores mais velhos ficam deliciados por encontrarem protagonistas improváveis e semelhantes a eles, enquanto os mais novos - não imaginava que havia tantos! - gostavam de ser como eles um dia. Todos receamos o amanhã, de algum modo, e o que estes personagens mostram é que podemos chegar a uma idade avançada, estando ativos e lúcidos.
Estes livros podem ser lidos como uma apologia ao envelhecimento ativo?
Vejo-os como livros sobre a a capacidade de fazer novos amigos. A velhice não tem que ser passada em frente à televisão. Podemos ter 75 anos e mantermo-nos ativos como se tivéssemos 25, conhecendo novas pessoas e mantendo vários interesses.
A televisão e a literatura são muito diferentes, mas em ambos parece procurar uma certa familiaridade. É mesmo assim?
É algo muito natural em mim. Como produtor e apresentador de TV, tenho perfeita noção de que as pessoas podem mudar de canal quando quiserem. Por isso, procuro certificar-me de que algo excitante está sempre a acontecer para que as pessoas possam divertir-se. Nos meus livros, os capítulos são curtos e a sensação de se estar perto do precipício é frequente. Gosto de autores que são génios da escrita, mas também adoro os que provocam a vontade de virarmos a página rapidamente. Como autor, a minha função é entreter o leitor, acima de tudo.
Nas suas histórias, o humor vem a par do mistério e da intriga. Qual o elemento que considera mais importante?
Os meus livros são acidentalmente engraçados. O humor nem sempre é bem visto nos livros de crime, mas, no que toca aos meus, as personagens têm uma propensão natural para o humor. Gosto dos elementos do crime e do humor. No entanto, o que considero mais importante é poder entrar na mente e no coração das personagens. Nada me satisfaz mais do que ver os leitores fascinados com as personagens que crio.
Antes de ter alcançado o êxito, teve vários projetos que não foram bem sucedidos. Em que sentido foram importantes para o reconhecimento posterior que acabou por ter?
Quando estava nos meus 20 anos, escrevi uma série televisiva que acabou por não resultar e, em consequência disso, parei de escrever e virei-me para a produção. Foi difícil recuperar. Precisei de mais de 25 anos para voltar à escrita. Sabia que era o que eu gostava de fazer, mas na altura não desisti. A vida está cheia de falhanços. O mais importante é saber como reagimos a eles. Não reagi de forma brilhante aos 25 anos, mas orgulho-me imenso de, decorrido outro tanto tempo, ter sido capaz de pegar na caneta e dedicar-me à escrita.
Vê-se a continuar a escrever mesmo sem o sucesso atual?
Sim, adoro ler e ser lido. Vou escrever para sempre. Quer continue a vender milhões ou não. Desisti da apresentação do programa que tinha na TV só para poder dedicar-me a tempo inteiro à escrita.
O alcance internacional dos seus livros poderá refletir-se no futuro na atmosfera tão britânica que eles demonstram até ao momento?
Não penso nisso, para ser franco. Desde o início, vi estas histórias como tipicamente inglesas. De tal forma que não imaginei que os leitores de outros países se pudessem interessar pelos livros. Na verdade, aconteceu o contrário. Se eu quiser ler um livro português, por exemplo, quero algo autêntico, não a história de um português em Inglaterra. O apelo internacional dos livros deve-se ao facto de serem tão genuinamente ingleses. Vou continuar a escrever os únicos livros que sei escrever, ou seja, 100% ingleses.
Embora tenha grande bagagem de literatura policial como leitor, acha que é necessário que um autor do género tenha uma certa dose de transgressão para se distinguir dos outros?
Sim, acho. Quando estava a escrever o primeiro livro, estive quase a desistir por várias vezes, porque não se assemelhava a nada do que tivesse lido antes. Precisava da confiança de saber que era parecido com a Patricia Highsmith ou outro autor marcante. Mais tarde concluí que o mais importante é encontrarmos a nossa própria voz e descobrirmos uma combinação entre um tom familiar e mais sombrio, engraçado mas emocionante. Quando escrevo, gosto de ter a sensação que estou a ler um livro que nunca li antes. Sinto que tenho a minha própria voz, à semelhança de muitos outros autores,