A capacidade "de dizer coisas profundas e originais em palavras simples" foi, para Richad Zenith, autor do volume "Pessoa, uma biografia", uma das principais marcas do génio pessoano.
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Autor da primeira das duas biografias sobre Fernando Pessoa publicadas no espaço de meio ano, o investigador luso-americano defende que a dimensão mais política da última parte da obra pessoana poderia ter-lhe causado dissabores com o Estado Novo, caso tivesse vivido mais anos. "Estava mais empenhado politicamente do que nunca", frisa.
Acha que o cidadão português médio tem dimensão do alcance universal da obra de Pessoa? Crê que o próprio Estado poderia fazer mais no sentido de fazer deste autor um símbolo do país no estrangeiro?
Como já afirmei em várias entrevistas, Pessoa é genial por dizer coisas profundas e originais em palavras simples. Por isso o seu alcance é universal. Não precisa da ajuda do Estado.
O autor da outra biografia entretanto lançada afirma ter querido chegar a um público mais popular e não apenas os académicos. Escreveu a pensar nalgum tipo de público?
Escrevi para o público em geral, sem pressupor nenhum conhecimento prévio de Fernando Pessoa ou da história e da cultura portuguesas por parte dos leitores. Aliás, não poderia ser de outra maneira, uma vez que os primeiros leitores da biografia foram anglo-saxónicos. Os académicos representam, quando muito, um por cento dos meus leitores.
Apesar de haver a ideia instalada de que Pessoa foi um autor sem biografia, ambos os livros impressionam desde logo pela dimensão (mais de mil páginas). Crê que o seu livro ajuda a desfazer de vez esse mito?
Espero bem que sim.
Num mercado como o anglo-saxónico, um autor como Pessoa já teria dezenas de biografias. De que forma a incipiência no meio editorial português e a relativa fraca popularidade das biografias, dificultam o trabalho de quem se propõe fazer um trabalho desta natureza, nomeadamente na falta de meios?
Não me parece que haja mais meios no mundo anglo-saxónico, se por "meios" se entende "condições financeiras". O meu trabalho a fazer traduções e edições da obra pessoana, juntamente com o Prémio Pessoa, financiaram a pesquisa e a escrita da biografia.
O seu livro ajuda a reforçar a ideia de que Pessoa não era de todo um ser alheio à realidade, que se refugiava apenas no mundo do pensamento. Foi o excesso de ideias e projetos que o impediu de concretizar quase todos os projetos que criou?
Em parte, sim, como se vê claramente ao ler a minha biografia. Mas há outra questão, que a biografia também destaca: Pessoa era perfeccionista, o que o impedia de acabar obras grandes. A perfeição, dizia Pessoa, é possível apenas numa obra curta - num poema lírico, por exemplo.
Apesar de todo o esforço que colocou, acha que há uma área da vida e do pensamento de Fernando Pessoa a que, pela sua complexidade ou escassez documental, se torna impossível aceder e compreender?
Como outros grandes escritores, Pessoa foi habitado pelo demónio da literatura. Como e por que ficou possuído será sempre um mistério.
Que posição tem acerca da publicação em livro de tudo quanto deixou na famosa arca, incluindo material que aparentemente não acrescentará muito à sua obra?
No caso de um escritor como Pessoa, tudo vale a pena ser descoberto, decifrado e disponibilizado, embora nem sempre (isto é, nem tudo) em forma de livro.
Embora tenha morrido relativamente jovem, nos padrões atuais, crê que Pessoa era já um homem cansado nessa altura, não só do ponto de vista físico como intelectual? Ou seja, já tinha produzido o essencial?
Trato, na biografia, de um certo cansaço intelectual que Pessoa sentia no fim da vida. Em contrapartida, estava mais empenhado politicamente do que nunca. Se tivesse vivido mais anos, podia ter-se metido em grandes sarilhos com o Estado Novo.