“Mortality”, o novo espetáculo do humorista britânico Ricky Gervais, estreia-se esta quinta-feira em Lisboa, numa Meo Arena há meses esgotada.
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Das certezas e inevitabilidades da vida, a asserção do estadista Benjamin Franklin sempre surge: os impostos e a morte, dizia. Uma certeza mais contemporânea e menos solene parece ser o facto de Ricky Gervais, humorista britânico que se destacou em “The Office” (e tantos outros empreendimentos), esgotar em horas ou dias as suas vindas a Portugal. Esta é apenas a segunda e não é exceção: “Mortality”, o seu novo espetáculo, estreia-se hoje numa Meo Arena há muito lotada; e é precisamente da morte, e da vida, que Gervais nos vem falar.
Sem tabus, sem pudores, provocador, chocante, polémico, Ricky Gervais é um caso distinto de sucesso no humor mundial: a começar pelo seu percurso, da classe operária até às séries de culto, depois ao estrelato e a espetáculos milionários – primeiro, eles acumulam bilheteira na estrada, depois, audiências assim que estreiam na Netflix, onde sempre acabam em quebras de recordes. “Mortality” não é exceção e será também para lá exportado, sendo expetável o mesmo efeito.
Mas Gervais é também distinto pelo tipo de discurso, o humor britânico misturado com um oscilar entre o aparente “não se ralar com nada” e o gostar de, ou querer mesmo chocar; o tanto escrever piadas cortantes sobre minorias e pessoas doentes como séries tocantes como “After Life”, também da Netflix – de novo a morte, aqui na visão do amor que perdura além dela.
Para o comediante de 63 anos, tudo é humor, e para o humor não há limites – é já famosa a sua frase de que “a ofensa é o dano colateral da liberdade de expressão”. Mas nos últimos anos tem ficado inevitavelmente conotado com um bastião “anti-woke”, com tudo o que isso implica: sendo muitas vezes criticado por ir “longe demais” em alguns temas e piadas, chamado de “insensível” ou “ofensivo”. Os últimos espetáculos, depois tornados especiais da Netflix, “Humanity”, “Supernature”, e “Armageddon” – este protagonista da sua estreia em Portugal no ano passado – foram alvo de controvérsia, o humorista acusado de atacar comunidades como a trans, de desprezar religiões. Nos espetáculos seguintes vai explicando como ele atua, como as piadas são isso mesmo, e uma forma de virar tabus.
Sem cancelamento
As polémicas cresceram mas o sucesso continua: o último “Armageddon” entrou no Guiness, Gervais é para a revista "TIME" uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, os recordes de plataformas e tours acumulam-se. Com “Mortality”, todos os espetáculos no Reino Unido esgotaram em minutos, e até novembro há passagens pelas maiores arenas do mundo, Hollywood Bowl e Radio City Music Hall incluídos. O lucro de bilheteiras poderá ser novamente recordista – à semelhança das tours anteriores, uma percentagem será doada para caridade, até porque o humorista é também conhecido pela sua filantropia, veganismo e sobretudo pela defesa dos animais.
Quanto à linha-base do espetáculo, é simples: “Todos vamos morrer. Então, é melhor rirmos disso” é a frase da sinopse, tendo o comediante dito ser este o seu stand up mais “pessoal e confessional". A vida e a morte, do ponto de vista de um confesso ateu, “não é [um tema] mórbido, é uma celebração” dizia numa entrevista recente sobre “Mortality”, lembrando como procura confrontar os tabus para os tornar menos assustadores; como a rir perdemos um pouco do medo.
Os primeiros espetáculos no Reino Unido já aconteceram e as críticas são mistas, como tem sido habitual: muitos admiram novamente o despudor e o facto de um humorista que “já ultrapassou todos os limites do que é considerado aceitável na atual era da cultura do cancelamento” não ter sido cancelado, outros acusam-no de gastar demasiada energia – e piadas – a apontar a quem o acusa online de ser anti-woke ou transfóbico, encetando um aparente deliberado círculo vicioso de os incitar. Nessa linha, é também referido como o tema, a mortalidade, acaba por ser pouco aprofundado, ou versado - e isto por quem se formou em filosofia, antes de chegar à estratosfera do humor.
Para quem conseguiu um bilhete, todas as dúvidas serão retiradas esta quinta-feira, pelas 19.30 horas, na Meo Arena. Para quem não foi a tempo, basta esperar mais uns meses, pelo especial da Netflix.