Romeu Bairos lançou o seu primeiro álbum “Romê das Fürnas”, um disco que dá voz ao sotaque micaelense e onde a identidade regional é protagonista. Em conversa com o "Jornal de Notícias", o músico fala sobre a origem do projeto, as dificuldades e a vontade de continuar a criar música enraizada na vivência açoriana.
Corpo do artigo
O artista apresenta-se no Lovers & Lollypops, no Porto, esta quinta-feira, às 19 horas. Os bilhetes estão disponíveis em dice.fm e também à entrada do evento. Romeu Bairos estará presente no 9º aniversário da cervejeira MUSA, em Lisboa, no dia 17 de maio, na Musa de Marvila. O acesso a este evento é livre.
Como surgiu a ideia para o álbum “Romê das Fürnas”?
Foi um desafio do Bernado Fachada, que me propôs a fazer canções com o meu sotaque. Conhecemo-nos em 2021, num concerto do Benjamim, que estava a apresentar o Vias de Extinção, no LUX, e falamos sobre a questão de haver pouca música com os traços do regionalismo percebemos que o país ainda está atrasado neste aspeto.
Ficou entusiasmado com o convite?
Fiquei muito feliz, mas também tive receios. Pensei como é que isso haveria de meter pão na minha mesa, eu não faço isto só para ganhar dinheiro, mas é a minha profissão. No entanto, percebi que estava a criar algo único. Não há mais ninguém a fazer isto.
Teve receio de o sotaque os temas mais locais pudessem limitar o alcance do álbum?
Sim, desde o início. O Fachada e a minha equipa tinham mais esperança do que eu. Temos dado alguns concertos e as pessoas que conhecem o contexto gostam muito, mas, quem ouve sem essa ligação pode estranhar. Mesmo assim sabia que era importante fazê-lo
O título também remete para o sotaque micaelense. Porquê “Romê das Fürnas”?
Foi o Fachada que escolheu. É uma instrução aos continentais de como se diz o nome “Romeu das Furnas”. A capa do disco é uma homenagem a um álbum de Carlos Alberto Moniz, o "Clássicos Açorianos". Disse-lhe que ia fazer uma “cópia”, mas bem feita, com um bom designer. A capa está ousada, está arriscada, combina com o álbum.
Este disco marca um novo registo na sua carreira?
Sim, mas é só o começo. O disco é muito sobre a geração dos meus avós, até os temas originais que estão presentas são sobre aquela altura, é muito sobre a vida de um jovem naquela época. Estamos a chamar disco, mas isto é um pedaço de educação sobre o regionalismo.
Este estilo vai permanecer em projetos futuros?
Sim. O Vol. I foi sobre a geração dos meus avós, o Vol. II há de ser sobre a geração dos meus pais, o Vol. III, mais tarde, sobre mim. Até lá quero fazer discos que contem histórias, com princípio, meio e fim. Quero lançar um disco sobre a emigração dos açorianos para os Estados Unidos, quero contruir coisas que deem trabalho mesmo que ninguém as perceba.
Por que razão considera que não existem mais artistas a cantar com sotaque?
Quando cantamos como falamos muda tudo, não há muitas pessoas que sabem fazer isso. Eu quando comecei não sabia, tive de aprender do zero, toda a gente aprende a cantar com um sotaque padronizado. E muitos têm medo de parecer estranhos. O Sérgio Godinho dizia numa canção “Pode Alguém Ser Quem Não É?”, e é isso que qualquer sotaque é, a voz do povo, a sua identidade.
Refere, em várias entrevistas, que “Romê das Fürnas” é um álbum açoriano e sobre as pessoas dos Açores, não sobre os Açores. Pode explicar melhor essa diferença?
Os Açores, como o resto do país, vive para o turismo. As pessoas vão aos Açores para ver paisagens e passar férias, no meio da sobrelotação que o turismo causa vivem pessoas que têm os seus trabalhos, as suas vidas e que estão a ser esquecidas. Nós falamos muito em locais, mas esquecemo-nos das pessoas que lá vivem.
Como tem sido a receção do álbum por parte do público açoriano?
O single “Jacinta” teve muito impacto, nos Açores todos me reconheciam, a música passava na rádio e estava em todo o lado. Mas não sei se ouviram o álbum todo, às vezes as pessoas ficam pelos singles.
Com o reconhecimento de outros artistas das Ilhas, como os NAPA, sente que a valorização cultural dos arquipélagos está a aumentar?
Acho que é só coincidência. Enquanto a frente regionalista não for objetiva isto não vai dar em nada, vai ser um caminho muito longo, um processo que requer muitos sacrifícios e frustrações. É muito complicado gerir tudo isso.
O Romeu Bairos é diferente do Romeu das Furnas?
Não, sou sempre eu. Em São Miguel eu sou o “Romê das Fürnas”, no Continente “O Açoriano” e nas Furnas o “Nosso Romê”. Não tenho uma personagem, há muito essa tendência nesta área por ser um trabalho arriscado, mas eu sou sempre a mesma pessoa.
Já há planos para os próximos álbuns?
O próximo vai ser mais ousado, mais atrevido e vai mergulhar mais no género. Eu estou agora à volta de uns textos do Vitorino Nemésio e estou a trabalhar músicas que eu gosto. Isto não é sobre mim, nunca vai ser sobre mim, as coisas têm de ter significado.