"Poesia em tempo de guerra" é o tema da sexta edição do Festival Ronda Poética de Leiria, que decorre de 20 a 25 de abril. Ao longo de seis dias, poesia, música, conversas, apresentações de livros, concursos, roteiros literários e artes plásticas prometem animar diversos espaços da cidade.
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"A escolha do tema reflete o momento difícil que o mundo está a viver. A poesia é uma ferramenta fundamental para a paz e a reconciliação dos povos", acredita Anabela Graça, vereadora da Cultura da Câmara de Leiria. "Precisamos da poesia para viver com mais qualidade de vida, porque tem uma força muito intensa para mudar comportamentos."
Curador do festival, o ex-ministro da Cultura Luís Castro Mendes explica que o programa reflete, assim, a influência das guerras, ao longo da História, na produção literária de diferentes poetas portugueses, espanhóis, angolanos e ucranianos.
A poesia alusiva à guerra colonial, passando pela guerra civil espanhola, pelas guerras interétnicas e religiosas, até à guerra na Europa serão temas discutidos por autores de diversas nacionalidades, nos dias 21, 22, 23 e 24, na biblioteca municipal, na livraria Arquivo e no Banco das Artes Galeria.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro de 2022, será assinalada às 11 horas do dia em que se celebra a Liberdade em Portugal, na Igreja da Pena, através da leitura encenada de dez poemas de autores ucranianos, sob o tema "Quando a primavera chegar".
Homenagem a Sophia
Castro Mendes aproveitou a ocasião para ler o poema "O velho abutre", de Sophia de Mello Breyner Andresen, que era dirigido a Salazar, mas que o curador do festival entendeu que se adaptava a Putin. A poeta assume um protagonismo especial no evento, ao inspirar o tema desta edição: "a paz sem vencedores e sem vencidos".
Para homenagear Sophia de Mello Breyner Andresen, haverá poesias musicados da sua autoria, na livraria Arquivo, ao longo da tarde do dia 22, e será exibida uma curta-metragem de 1969 sobre a poeta, no Teatro Miguel Franco, às 17:30 horas do dia 24. Após a transmissão do documentário de João César Monteiro, haverá uma conversa com a cineasta Margarida Gil e poetas convidados.
A Ronda Poética começa na noite do dia 20 com o espetáculo de teatro e música Estro/Watts, poesia da idade do rock, no Teatro José Lúcio da Silva. O palco a que subirá também o cantor e compositor Sérgio Godinho, no dia 25 de Abril, pelas 17.30 horas.
Nos restantes dias, destacam-se outras iniciativas associadas ao festival, como o "Roteiro dos Poetas" pela cidade de Leiria, dinamizado pela companhia de teatro O Gato - Palavras de Sobra, no dia 22, às 10 horas, e a oficina de Aguarelas Poéticas, de Hirondino Pedro Duarte, no Banco das Artes Galerias, no dia 23, às 10:30 horas.
No mesmo dia, ao meio-dia, a Igreja da Pena será ainda palco do "Poetry Slam", um concurso de poesia em tempo real. Uma hora antes, será apresentado, na Igreja da Misericórdia, o livro de poemas inéditos do pintor, músico e poeta José Luís Tinoco, intitulado "Perseguição dos Dias".
Tinoco publica aos 92 anos
Anabela Graça conta que quando tiveram conhecimento que José Luís Tinoco tinha vários "poemas na gaveta" o tentaram convencer a publicar em livro. Resistente à ideia, seguiu-se um "período de enamoramento", mas só aceitou após Luís Castro Mendes lhe ter explicado a importância da sua poesia. "O livro é muito bom. Fiquei encantado. Escreve poemas notáveis", confirma o ex-ministro da Cultura.
"É um homem de 92 anos, que continua a hesitar, porque não sabe se está à altura", revela o curador do festival. "Respeito muito uma certa insegurança na poesia, porque não temos a certeza se atingimos aquilo que pretendíamos", observa. Contudo, explica que tiveram de lhe dar um prazo para concluir o livro, porque estava sempre a reescrever os poemas.
Confrontado com o facto de alguns eventos quase se sobreporem, impedindo que possam ser acompanhados pelos amantes da poesia, Castro Mendes assegura que, este ano, o "horário é mais realista, e não tão apinhado". Diz que houve também o cuidado de sobrepor apenas aqueles que não têm o mesmo público-alvo.
"A ideia é as pessoas rondarem e fazerem as suas escolhas. As coisas não se vão canibalizar umas às outras", confirma Paulo José Costa, psicólogo, poeta e mentor da Ronda Poética, que nasceu em 2015. Certo de que o festival já se afirmou no panorama literário nacional, acredita que "Leiria está já associada à palavra poesia".
Paulo José Costa sublinha, por outro lado, que "a Revista de Poesia Acanto é a prova de que a Ronda não foi um evento fugaz". No dia 22, será apresentada a sétima edição na Igreja da Misericórdia, às 16 horas, com os contributos de poetas nacionais e internacionais.
Psicólogo no Centro Hospital de Leiria, revela ainda que, durante o evento, serão prescrito poemas nos cuidados paliativos do hospital de Alcobaça, tal como já sucede nas consultas de psicologia, pedopsiquiatria e psiquiatria do hospital de Leiria.
A vereadora da Cultura promete ser uma "grande celebração da poesia e da cultura em Leiria", através de 32 ações, além do programa comunitário, que envolve IPSS, escolas, a Casa-Museu João Soares, o Centro Hospitalar de Leiria, o Estabelecimento Prisional para Jovens e Juntas de Freguesia.
Diretor artístico do Leiria Cidade Criativa da Música, Daniel Bernardes recomenda os concertos de piano de João Paulo Esteves da Silva. "É um génio, que ombreia com Bernardo Sassetti Mário Laginha", afirma. Destaca também a atuação de Artur Pizarro, que irá tocar só com a mão esquerda, porque cortou o polegar direito. "Vamos ter um concerto preparado só para nós."
O festival é ainda organizado pela livraria Arquivo, que comemora este ano 45 anos de existência, com a ampliação do espaço.