
Rosalía no Primavera Sound Porto
Igor Martins/Global Imagens
Milhares de pessoas juntaram-se na madrugada desta sexta-feira para ver Rosalía, no Primavera Sound, onde já não tocava desde 2019. Último concerto em Portugal foi em novembro.
Há sete meses, Rosalía atuou em Braga, no Altice Arena e em Lisboa, no âmbito da Motomami World tour. No Primavera Sound Porto, já não tocava desde 2019. Mas isso não diminui a procura e a expectativa dos fãs, horas infindáveis debaixo de chuva para vê-la, imprimiram cartazes, t-shirts, capas e compraram visuais para se parecerem com a própria. Mas, cuidado. Ela já não é a mesma.
Desde novembro que lhe cresceu o cabelo e lhe diminuíram as unhas. Agora são rosa, rematadas com rebordo de brilhantes. Parece uma minudência, uma pequena frivolidade maldosa, mas não é.
O som das motos continua a estar lá, e ela de macacão verde coleante e uma pequena saia de couro com botas a jogo, irrompe no meio dos seus nove bailarinos com "Saoko", para uma declaração de intenções clara: "soy una mariposa yo me transformo".
A este momento milhares de braços no ar a gritar, um tipo de celebração do Corpo de Deus (feriado que se comemorou esta quinta-feira), como se ela fosse uma espécie de Messias que fosse salvar toda aquela gente. A música salva, é certo. E quando a meio do concerto desce do palco todos lhe querem tocar, sentir-lhe o sangue.
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Poderosíssima, com aquele descaramento de quem sabe que é querida, entra com "Bizcochito", com a multidão a trautear a orelhuda melodia. O namoro com a steady cam que a persegue pelo palco é às vezes confrangedor, não se sabe se ela atua para a câmara ou para o público. Para quem a está a ver nos ecrãs gigantes é o melhor, para quem esperou horas para a ver desde a primeira fila faz a (in)diferença.
"La fama", música que gravou com The Weeknd, criou um coro de milhares a gritar: "es mala amante la fama y no va a quererte de verdad" e ela a sorrir de óculos de realidade virtual. É então que nos conta, na sua voz delicodoce quando fala, que nos quer cantar um pregão que aprendeu no flamenco. Ali surge uma canta(o)ra impressionante, com os seus melismas e comete o primeiro anticlimax da noite, cortando as "Bulerias", no exato momento em que teria de cantar a pérola de frase de Lola Flores e Manolo Caracol: "Yo soy la niña de fuego".
A esmagadora maioria do público não parece importar-se, e a democracia tem destes males. Até porque ela entra com "Linda" , tema que gravou com a dominicana Tokischa (toca esta sexta-feira no Primavera Sound).
Sentada na cadeira do barbeiro, limpa-se com a toalha e retoma o fôlego, para logo na frente de palco se pôr de quatro e atirar um copo de água pela cabeça. (Não surte o mesmo efeito quando 100% do público está tão sexy quanto ela e levou com água pelos cabelos o dia inteiro).
Num ligeiro momento onde põe um pé na terra, e conta que está "muito feliz porque lançou hoje a nova canção "Tuya", uma canção de coração". Rauw Alejandro (o coração), de quem está agora noiva e que tem temas com ela, entre eles "Beso" que cantou de seguida.
Passado o momento, senta-se ao piano e aos primeiros acordes da fabulosa "Hentai" , com o público a gritar, comete o segundo crime da noite: decide passar-lhes o microfone. É simpático e comovente, mas por muito bom que seja um coro de milhares, não são Rosalía.
Depois de uma bonita introdução, gravada em catalão, onde se explica que nos momentos difíceis é sempre importante uma referência em Deus e na família, dá uma injeção de "Malamente" , "Despechá" e "Chicken Teriaki", com o público a seguir-lhe as coreografias, demonstra que é a melhor do grupo de bailarinos com a sua marcagem por bulerías, e diz um seco :"Boa noite Porto" e sai para nunca mais voltar.
Rosalía cortou as unhas, ou talvez lhas tenham cortado. As suas garras para lutar já não são as mesmas, sabe agora que é uma gata domesticada pela indústria. Rentável é ter músicas orelhudas, dançáveis e com letras sexuais pelo meio. Há uma falsa sensação de que ela pode fazer o que quiser, mas não pode.

