Assírio & Alvim publica antologia do monge budista japonês que consagrou a vida inteira à arte.
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Com “o céu dentro de si”, Ryokan (1758-1831) escreveu sempre como viveu, aspirando à plenitude sem nunca abrir mão dos ideais da simplicidade e do despojamento.
Agora disponibilizado pela Assírio & Alvim, o volume “Tal como és”, com seleção, organização e tradução do japonês a cargo de Marta Morais, é uma rara mas magnífica entrada num universo literário que é também existencial e metafísico, tão imbricadas são estas dimensões.
Afinal, como escreve o crítico e historiador Sen’ichi Hisamatsu, “em Ryokan, o homem e a arte são uma só coisa”. Através da escrita no sentido mais amplo do termo – além de poeta foi também calígrafo – , este monge budista encontrou um instrumento maior para expressar uma humanidade extrema que o fez notabilizar-se “pela sua candura infantil” e “por um coração puro e ingénuo”, ainda segundo Hisamatsu.
A poesia que Ryokan abraçou desde a juventude foi uma extensão das suas práticas zen, nas quais a meditação desempenhava um papel central. Encontramos sucessivas provas dessa importância decisiva nos seus versos breves, em que o poeta se revela exímio na arte de vislumbrar o infinito a partir do particular: “Se a vida é uma gota de orvalho / e este mundo / pura / viagem / a minha casa será uma almofada de erva”.
Lembrado muito depois da sua morte pelos nomes maiores da literatura nipónica – Kawabata citou-o cinco vezes no discurso de aceitação do Nobel, em 1968 –, Ryokan fez da sua poesia uma jornada de autoconhecimento constante. Pagou porventura um preço demasiado elevado por esse esforço de aperfeiçoamento interior, ao isolar-se da companhia dos outros para que pudesse expressar de forma mais fidedigna as suas preocupações.
Após renunciar à vida mundana, encetou uma longa viagem, desprovido de qualquer bem com exceção do cajado: afinal, “um monge / não precisa de mil e uma coisas / apenas não desdenhar”. Seguiu-se o retiro num pequeno abrigo da montanha, em que finalmente atingiu o estado de equilíbrio último – ”ouvir a voz do vento no céu”.