"Para mim, a dança não é um dado adquirido, acredito que quanto menos o adquirir mais próxima estarei dela, uso a dança e o trabalho performativo para perceber aquilo que necessito de perceber". Assim escreveu Vera Mantero, que apresenta três solos, este domingo, às 18.30 horas, no auditório do Museu de Serralves, no Porto.
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O momento inaugura um ciclo programado por Cristina Grande, curadora de artes performativas do Museu, intitulado " O que a minha dança diz", dedicado à coreógrafa, que se prolonga até maio de 2023.
Está desenhado como uma publicação, organizado em capítulos e estruturado a partir dos conceitos que singularizam a dança de Mantero: improvisação, voz, movimento, escrita, pensamento e prática colaborativa.
O seu percurso está ligado a Serralves e à programação do museu desde a sua abertura ao público - uma proposta sua de improvisação coletiva constou da programação performativa associada à exposição inaugural, "Circa 1968", em 1999. "Ela faz parte da história deste museu. E o museu é feito dos artistas que por aqui passaram", sublinha Grande.
O trio "uma misteriosa Coisa, disse o e.e. cummings*", "Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois" e "Olympia", balizados entre 1991 e 1996, não podem ser considerados uma revisitação porque Vera Mantero nunca deixou de os levar ao palco durante estes 30 anos.
para não maçar ninguém
Estreado em janeiro de 1996, "uma misteriosa Coisa, disse o e.e. cummings*" fez parte de "Homenagem a Josephine Baker", iniciativa da Culturgest. "Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois", revelado em 91, foi criado para o festival Europália na Bélgica. "Olympia" fez parte da Maratona para a Dança, iniciativa de 1993.
"O corpo de trabalho de Mantero, amplamente reconhecido e englobando mais de 30 anos de criação, espelha influências filosóficas, científicas, políticas, literárias e das artes visuais que perpassam as suas performances, filmes, conferências dançadas e ensaios críticos. Apresentar estes três solos é inaugurar um livro imaterial", conta Cristina Grande.
"Houve uma fase em que alternava entre um solo e um trabalho grupal", conta a coreógrafa ao JN. "Estar sozinha permitia-me chegar a certos pontos a que não chegava com outros bailarinos, aprofundar os meus limites e dos materiais. Para ver se não maçava ninguém, assim só me infernizava a mim própria. Mas agora já não tenho vontade nenhuma de estar sozinha no estúdio."
Vera Mantero é um dos elementos centrais da Nova Dança Portuguesa, do início da década de 1990. "Era uma época diferente, havia uma urgência em começar novas danças, havia a belga e a francesa. Havia uma visão crítica, programadores e mesmo as instituições tinham essa urgência", conta.
Todavia, recusa que a sua geração tenha sido ímpar. "Surgiram gerações fortíssimas a seguir à nossa, mas não tem havido por parte do Ministério da Cultura e da DGArtes uma divulgação permanente e espampanante de fazer saber, de se ouvir, falar e dar visibilidade artística à dança, e à sua circulação mesmo em termos internacionais." O mesmo fenómeno aconteceu anteriormente com Paula Massano, "um nome muito importante".
O seu interesse em acompanhar a cena artística manifesta-se com a ida regular a espetáculos de dança e de teatro. "Não gosto de viver numa bolha isolada. As pessoas da minha geração viam-se entre si a crescer e a entender-se como parte do fenómeno, não eram criadores isolados."
Os seus trabalhos mais recentes têm sido colaborativos. Num outro capítulo está também "Comer o coração", obra que representou Portugal na 26.ª Bienal de Artes Visuais de São Paulo, em 2004, uma criação conjunta de Vera Mantero e do escultor Rui Chafes.