Setembro está para o calendário cultural como a sexta-feira para os grandes prémios de Fórmula 1. Em anos normais, é um mês de adaptação à pista. Neste ano atípico, não será assim.
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Concertos, festivais, feiras e bienais foram adiados nesta primavera de pandemia e encontraram nos meses posteriores ao verão um porto que esperam seguro para não darem por perdida a viagem. É a esperança contra a "catástrofe". É "um desafio" para programadores e instituições. É sobretudo uma enorme incógnita. Que público haverá quando o espaço público puder ser outra vez habitado?
De Veneza a Coachella
A Bienal de Arquitetura de Veneza, que este ano propõe uma reflexão quase premonitória - "Como vamos viver juntos?" é o tema da 17ª edição -, emagreceu três meses e só abrirá as portas a 29 de agosto.
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Por essa altura, em Portugal deverá estar a decorrer a 90ª edição da Feira do Livro de Lisboa, que este ano não cumprirá o calendário que vai de maio a junho, como é tradição. À porta do outono, haverá Primavera Sound em dose dupla: o festival de música indie de Barcelona foi atirado para o fim de agosto (de 26 a 30); o congénere do Porto, para o início de setembro (de 3 a 5).
Ao mesmo tempo, o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, acolhe o festival Dias da Música, inicialmente agendado para este mês.
Em outubro, o calendário fica ainda mais carregado. Lá fora, é o mês escolhido para acolher a Feira do Livro de Madrid (de 2 a 18), inaugurar a mostra principal da 34ª edição Bienal de São Paulo, este ano é dedicada à "poética das relações" (dia 3), e receber o mítico Coachella. O maior festival de música do mundo, que decorre durante seis dias na Califórnia, foi o primeiro a ter coragem para adiar as datas. Está agora marcado para os dias 9, 10, 11, 16, 17 e 18.
Cá dentro, outubro passa a ser o mês do Talkfest, festival expansivo da indústria, composto por conferências, workshops, cinema, eventos de networking, exposições e entrevistas, que decorre em Lisboa (de 15 a 17), do Gouveia Art Rock, o único festival de rock progressivo português, na Guarda (de 3 a 5), da Queima das Fitas de Coimbra, ou dos concertos de Cock Robin nos coliseus (dia 30, no Porto; dia 31 em Lisboa) ou de Manel Cruz, inserido na digressão Tournedó, no Teatro Sá da Bandeira, no Porto (dia 29).
Festivais no outono
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Para outubro mudou-se também o Curtas de Vila do Conde. Em 27 anos de vida, sempre foi um "festival de cinema de verão" mas, para evitar "cancelar o ano", a organização teve de abdicar dos quentes dias de julho.
A escolha, explica Nuno Rodrigues, codiretor do festival, teve de adequar-se ao calendário da época. "Pensámos muito em relação aos festivais de cinema portugueses. Há toda uma sequência: começa no final do verão, com o MoteLx e o Queer Lisboa e Porto", explica. O Curtas virá, este ano, e pela primeira vez, a seguir. "Este novo contexto é um desafio", assume. "Será um ano atípico e uma experiência diferente. Mas pode trazer-nos também dividendos", afirma ao JN.
Outros festivais com o IndieLisboa, dedicado a obras que se encontram fora do radar da regular circulação de filmes, e o Monstra, também em Lisboa mas dedicado à Animação, e que este ano celebra o seu vigésimo aniversário, procuram ainda uma âncora que os segure a 2020. Mas recalendarizar é mais complexo do que possa parecer. Em todo o setor da cultura.
Novas normas e hábitos
"As programações dos museus fazem-se muitas vezes em articulação. Isto vai criar problemas enormes na reorganização interna das instituições", vaticina o curador Miguel von Hafe Pérez, a propósito dos milhares de exposições em suspenso na Europa e no mundo.
Na música, é a mesma coisa, explica Álvaro Covões: "o alinhamento é internacional. Há uma rota para os artistas, não podem fazer hoje Lisboa, amanhã Oslo, depois Madrid e depois Moscovo". O promotor - neste momento ainda com dois cenários em mãos, "o da esperança e o da catástrofe", optando, para já, pelo primeiro -, assegura que os festivais vão estar preparados para novas normas de segurança.
"Quando voltarmos à realidade, haverá novas regras e estaremos cá para responder". Já Nuno Rodrigues antecipa: "Vão ser criados novos hábitos e [a falta de dinheiro] terá também consequências nas opções das pessoas. Mas tudo isso é ainda um grande ponto de interrogação", conclui.