Scorpions mostraram no Meo Marés Vivas que a idade ainda é um posto.
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Scorpions abriram o concerto de sexta-feira à noite no Meo Marés Vivas com um interlúdio, e mal o primeiro acorde rasgou o ar, percebia-se que aquilo não era só o início de mais um espetáculo — era o início de um ritual. 5000 concertos depois, ao longo de 60 anos de carreira, esta banda alemã continua a ser um corpo vivo de memória coletiva e energia crua. E não há como fingir que não se sente: “It feels like coming home again”, disse o vocalista Klaus Meine, com o sotaque que já é tão familiar como as próprias canções. E foi isso mesmo. Um regresso. Um abraço feito de decibéis.
A guitarra elétrica entrava como um trovão certeiro, a bateria nervosa, ansiosa por correr contra o tempo, e o baixo, com a inscrição “Rock Your Life”, parecia um recado para cada um de nós ali. Como se nos dissesse: sim, ainda vais a tempo. Ainda és capaz de abanar a cabeça, suar um bocado e gritar até perder a voz.
O boné de Klaus — o mesmo, de sempre — continuava lá, como um símbolo discreto mas firme de continuidade. Porque há quem mude de identidade a cada estação, e há quem saiba exatamente quem é há seis décadas. “Boa noite, Portugal!” gritou ele. “Great to be back! Conseguem ouvir-me, Porto?” E a resposta veio como um rugido. Havia ali uma comunhão que não precisava de ser explicada. A música fez o resto.
Num alinhamento de êxitos que toda a gente conhece — "Rock You Like a Hurricane", "Still Loving You", "Wind of Change" —, houve espaço para emoção e explosão, silêncio e grito. O público, uma maré de camisolas pretas e corações inflamados, tinha rugas com orgulho. Porque, entre os fãs, havia muitos com 60 anos também. Homens e mulheres que viram os Scorpions nascer, crescer, conquistar o mundo. Que os ouviram em vinil, os viram na televisão a preto e branco, os seguiram em cassetes gravadas com amor. E agora ali estavam — de braços no ar, olhos vidrados e um brilho nos olhos que só se encontra em quem sabe o valor do tempo.
Um deles, dizia ao neto: “ouve esta, foi a música com que pedi a tua avó em casamento”. E o miúdo, que nem sabia bem quem eram os Scorpions, ficava quieto, talvez a tentar memorizar aquele momento, para mais tarde compreender o peso daquilo tudo.
Quando Klaus atirou baquetas ao público, foi como distribuir pequenos pedaços da história do rock. Uma instituição com 60 anos de estrada, e ainda ali, em carne e osso, sem playback, sem truques, com a alma toda na ponta dos dedos.
Porque ser rock believer não é só um verso — é um modo de estar. É continuar a acreditar que a música pode mudar o estado de espírito, fazer esquecer as dores, unir gerações, abanar o mundo um bocadinho. E na noite de ontem em Vila Nova de Gaia, isso aconteceu.
Com o volume no máximo, o coração a bater fora do peito, e o tempo suspenso entre uma nota e outra.