Entre os concertos do Porto e de Lisboa, Woody Allen esteve na Cinemateca.
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Aproveitando a presença de Woody Allen en Portugal, o Folio, o Festival de Literatura de Óbidos e a editora Almedina, responsável pelo lançamento em Portugal do último livro do nova-iorquino, “Gravidade Zero”, organizaram um encontro com Ricardo Araújo Pereira, esta quinta-feira à tarde, entre os concertos com a sua banda de jazz realizados no Porto e em Lisboa. O local escolhido escolhida pelo próprio realizador para o encontro foi a da Cinemateca Portuguesa, já que Woody Allen não gosta de falar para grandes salas.
Aplaudido de pé, pelas mais de duas centenas de pessoas que conseguiram bilhete, Woody Allen sentou-se num cadeirão ao lado de Ricardo Araújo Pereira, que trouxe uma máquina de escrever que o realizador reconheceu como sendo igual à sua. Afinal, o grande tema da conversa era a edição do livro de contos “Gravidade Zero”, cujo título Woody Allen explicou: “São contos sem qualquer tipo de gravidade ou responsabilidade, que fui escrevendo ao longo dos anos, a maior parte deles publicado no The New Yorker”.
Num desses contos, Woody Allen conta a história de um cavalo que pinta, explicando de onde lhe veio a ideia. “A maior parte dos contos tem origem em histórias verídicas que leio nos jornais”, disse. “Quando leio uma história num jornal sobre um cavalo que pinta e ainda por cima os seus quadros vendem-se, é um bom princípio para uma história. Mesmo a minha mulher está sempre a chamar-me a atenção para histórias destas”.
Woody Allen dá o exemplo de outra história, a de Lord Sandwich, o inventor das sanduíches. “Já imaginaram o tempo que levou um tipo a inventar como é que se faz uma sanduíche? Ou de quem inventou o nó da gravata? São sempre bons começos para histórias”.
Estando ao lado de Ricardo Araújo Pereira, Woody Allen recordou os seus anos a fazer comédia stand up. “Fazia, mas não era o que gostava de fazer. Tinha de entrar numa sala cheia e fazer aquela gente toda rir. Duas ou três vezes por noite. E depois em tournée por outras cidades.” A transição para o cinema foi fácil: “Um dia chegaram ao pé de mim e deram-me quarenta mil dólares para escrever um filme.” Como disse no inicio da conversa, ao contrário de todos os seus colegas e amigos, que iam estudar para ser médicos, engenheiros ou arquitetos, “escolhi fazer piadas para não ter de trabalhar”.
Woody Allen admitiu ter sido sempre um solitário. “Fechava-me no quarto a fazer truques de prestidigitação com cartas ou com lenços, a tocar clarinete ou a escrever”. E recorda quando teve de estar numa sala a escrever piadas ao lado de alguns dos seus mestres. “Sid Caesar e Mel Brooks eram os maiores. Ali estava eu ao lado deles. Mas além de génios eram boas pessoas, não eram competitivos. Se eu tinha uma boa ideia, usavam-na, não começavam logo a dizer que não tinha piada.”
Ricardo Araújo Pereira quis juntar Woody Allen à lista de autores que se têm pronunciado sobre os filmes da Marvel. “Não gosto, mas não vi nenhum”, disse o realizador, arrancando uma das muitas gargalhadas na sala. “São filmes que custam mais de cem milhões de dólares, não têm nada a ver com os filmes que eu faço”.
Precisamente um deles, “Manhattan”, uma verdadeira obra-prima realizada em 1979, a preto e branco, onde contracenou com Diane Keaton e Mariel Hemingway, seria exibido a seguir à conversa. Curiosamente, está longe de ser um ddos favoritos de Woody Allen, que contou mais uma história engraçada. “Há filmes que de gosto muito, mas este não foi um deles. Quando o acabei, dirige-me à United Artists, que o tinha produzido, e disse-lhes que lhes fazia outro filme de borla se não o estreassem. Claro que disseram que não podiam, tinham gasto dinheiro e pedido dinheiro à banca que tinham de devolver. Estrearam e foi um enorme sucesso em todo o mundo.”
Antes de terminar a conversa, Woody Allen chamou a atenção para o seu último trabalho, “Golpe de Sorte”, dizendo que é o que se necessita, para triunfar no cinema. O filme, estreado há dias em Veneza, chega a Portugal a 5 de outubro, foi rodado em Paris e é falado em português. “Não é uma comédia, é um drama, semelhante ao ‘Match Point?, disse o realizador, recordando essa obra que dirigira em Inglaterra.
Apesar de não estar previsto nenhum período de perguntas por parte da audiência um espetador mais atrevido perguntou a Woody Allen quando é que faria um filme em Portugal. “É preciso uma boa história. Ontem estive no Porto pela primeira vez e apaixonei-me pela cidade. Já vim a Lisboa cinco vezes. A minha família adora cá passar dois ou três meses, em vez de chegar e ir embora ao fim de dois dias. Mas, é preciso uma boa história. Se me arranjaram uma boa história com sardinhas venho fazer um filme a Portugal.”