As nove temporadas estão agora disponíveis para consumo inveterado.
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O tempo tudo reabilita. Ou quase. Obras pouco menos do que imprestáveis parece que se agigantam com o passar dos anos. Não porque a acumulação progressiva de pó as tenha tornado subitamente melhores, mas pela simples razão de que tendemos a mi(s)tificar tudo o que se perde na curva do horizonte, como se, ao fazê-lo, estivéssemos também nós a recuar uns bons anos no tempo.
Além de desprovida de qualquer razoabilidade, essa tendência é injusta para as obras que merecem ser recordadas. Na televisão, e no domínio da comédia em particular, não encontramos muitos exemplos similares ao de "Seinfeld", cujas nove temporadas estão agora disponíveis na Netflix, a troco, consta-se, de uma bagatela de 500 milhões de dólares.
O que começou por ser um absurdo projeto de dois comediantes sem jeito para a representação, Jerry Seinfeld e Larry David, que se propunham fazer uma série sobre o nada, revelou-se, afinal, um compêndio absoluto de comédia que, um quarto de século e enésimas tentativas depois, ninguém ainda conseguiu igualar.
À distância destes anos todos, parece claro, sobretudo para quem agora se reencontra com estes episódios, que a qualidade estratosférica da série - sobretudo para os padrões atuais - se deveu a uma convergência de fatores irrepetível.
Sim, as piadas ainda nos fazem rir como se as ouvíssemos pela primeira vez, os argumentos encaixam melhores do que os lego e a química entre os protagonistas - Jerry (Jerry Seinfeld), George (Jason Alexander), Elaine (Julia Louis-Dreyfus) e Kramer (Michael Richards) - é nada menos do que única. Mas, nostalgias à parte, havia qualquer coisa no espírito desse tempo "pré-histórico" (ou seja, pré-Internet, pré-11 de Setembro e pré-ditadura do politicamente correto) que favorecia a concretização de projetos hoje vistos como insanos.
Mais pernicioso do que sabermos que muitas das piadas de então nem chegariam a ser escritas hoje, com receio de poderem ofender tudo e mais alguma coisa, é pensarmos que a própria natureza da sitcom dificilmente encaixaria num cenário de maximização do lucro.
Seinfeld
Larry David e Jerry Seinfeld
Netflix