Coordenador de intimidade é exigido nas rodagens dos países anglo-saxónicos. Em Portugal não tem expressão.
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O escândalo de Harvey Weinstein em 2017 e o subsequente movimento Me Too deixaram a descoberto a natureza rotineira de assédio sexual e a má conduta da indústria audiovisual nos Estados Unidos da América. Vários atores começaram a exigir salvaguardas profissionais do seu bem-estar, o que normalizou a figura dos coordenadores de intimidade, função criada em 2016.
A profissão tornou-se obrigatória nas rodagens nos países anglo-saxónicos, e gigantes como a HBO ou a Netflix exigem a sua presença, seguindo as boas práticas e diretrizes do documento "Intimacy on Set".
Em Portugal a profissão parece quase inexistente, ainda que o FEST - New Directors, New Films Festival, em Espinho, já tenha realizado workshops sobre o tema. Contactado pelo JN, o Instituto do Cinema e Audiovisual disse não ter "conhecimento de empresas que estejam a incluir essas figuras nas suas produções".
Catarina Campos Costa trabalha entre Portugal e o Reino Unido e fez o mestrado em Preparação do Ator para Cinema em Londres, onde uma cadeira de Intimacy on Set é obrigatória. "Os professores diziam desde o início: como atores, é fundamental que aprendam as ferramentas para saberem proteger-se. Apaixonei-me pela área e gostaria de implementar esta prática em Portugal. Sei que só trará coisas positivas".
Um coordenador de intimidade é "alguém responsável por coreografar as cenas íntimas de uma ficção. E esse trabalho deverá ser feito com os atores e em parceria com a restante equipa técnica e criativa", explica. Faz uma comparação com as cenas de luta: "Não passa pela cabeça de ninguém dizer: "Pronto, agora tu espancas o outro personagem, ele cai ao chão e passa-lhe um carro por cima". Tudo tem de ser coreografado e adaptado à disponibilidade física dos atores envolvidos".
Catarina Campos Costa crê que "trabalhamos quase sempre sem tempo e sem recursos e esse pode ser o principal motivo por ainda não termos esta profissão em Portugal. A grande questão no Reino Unido, antes da Intimacy on Set ser uma prática implementada e normalizada, era: "Porque vamos pagar a uma pessoa para fazer um trabalho que nós já fazemos sozinhos? Os atores hão de encontrar uma solução entre eles". O problema é que muitas vezes nós, atores, estamos profundamente desconfortáveis e sentimos receio de dizer alguma coisa. De isso poder não ser bem recebido ou de sermos olhados como "atores difíceis de trabalhar" ou "pouco disponíveis"".
A terceira pessoa
Dá como exemplo séries como "Normal people" ou "Sex education". "Ambas tiveram coordenadores de intimidade a trabalhar no set. Tive a felicidade de aprender com os coordenadores em questão e sei que em ambas as rodagens os atores praticamente não se tocaram. Porque não foi preciso. Portanto, é também um trabalho que assegura essa noção de eficácia no toque".
Quanto ao facto de a profissão estar associada a sucessivos abusos, Catarina não vê uma relação exclusivamente consequente. "Evidentemente que o movimento Me Too não está totalmente desconexo da criação desta nova profissão do coordenador de intimidade. Uma das guidelines fundamentais é que tudo o que o ator tiver de fazer no plateau deve estar previamente escrito no contrato de trabalho. Para evitar aquelas decisões de última hora, muito típicas, "ah! e se a atriz estivesse nua nesta cena da cozinha?". Outra guideline importante é que deve haver sempre uma terceira pessoa presente na criação das coreografias das cenas íntimas. Os atores não podem fazê-las sozinhos no camarim. Para evitar abusos físicos ou perdas de controlo? Talvez... Mas não posso afirmar com certeza, pois não estive na criação da profissão".