"Gandulo" é o primeiro disco do alter ego de Sérgio Freitas. Um músico que enfrenta os seus demónios.
Corpo do artigo
Bracarense e com formação universitária em piano, Sérgio Freitas apresenta-se a solo com o alter ego serge fritz. No currículo já leva colaborações com PZ, Old Jerusalem, Mind da Gap, We Trust e Sensible Soccers. Editou esta sexta-feira o primeiro álbum a solo, "gandulo", com 11 temas instrumentais que refletem o universo do artista.
"Comecei no mundo da música no conservatório e depois na universidade, mas considero-me autodidática, porque foi fora da academia que procurei instrumentos que me permitiram encontrar enquanto criador", afirma serge fritz.
Sempre com um percurso ligado aos teclados e em diferentes estilos. "Estive muitos anos nos Mind da Gap e também o projeto pop We Trust. Faço parte do coletivo Zany Dislexic Band, que lança um disco por mês de música improvisada. Mais recentemente juntei-me aos Sensible Soccers. Participei nos últimos dois álbuns e acompanho-os ao vivo."
"Não gosto de maiúsculas"
Num ato de "emancipação", serge fritz edita o álbum "gandulo". Tudo em minúsculas. "É simples: não gosto de maiúsculas. Uma questão de estética, e, por outro lado, não gosto da seriedade dos títulos", explica. "Consola-me ver assim a grafia, não me levar a sério nem fazer parte da seriedade que às vezes os projetos artísticos têm a mais."
Porquê serge fritz? "É um alter ego que existe desde a minha adolescência. Escolher outro nome seria trair a minha memória. Já 'gandulo', uso-o com uma conotação de carinho, até porque não o sou. E são nomes que assentam bem neste punhado de temas."
O projeto, guardado na gaveta há muitos anos, tornou-se realidade pelas circunstâncias pandémicas que obrigaram todos os artistas a uma pausa forçada na agenda de concertos. "Vi-me com bastante tempo livre. Porém, não posso deixar de referir que este disco aconteceu ao concorrer a um apoio da Câmara de Braga, o que me obrigou a concretizar a ideia."
Admite não haver arrojos para lançar o disco. "Sou um músico e criador e irei continuar enquanto tiver condições para isso. É natural, não posso lutar contra a minha natureza."
Apologista dos primeiros takes, refere que o álbum foi um exercício autofágico. "Sempre procurei as ideias musicais que me ocorrem espontaneamente e foi esse o critério de triagem: as que escrevi sem muito pensamento. Aprecio a verdade do imediatismo."
"Todas as ideias são boas, mediante a inteligência de quem as pratica"
Sem heróis musicais, afirma que o Mundo é a sua inspiração. "Este disco é a minha abordagem do Mundo e de como eu o vejo. O quotidiano, o contexto pandémico e a atualidade política foram uma influência. Incluindo a transição digital, um termo que abomino. Parece que a globalização humanista foi um fracasso. Vivemos à frente de espelhos. As redes sociais, que serviriam para aproximar, acabam por ter um efeito perverso. Todas as ideias são boas, mediante a inteligência de quem as pratica."
Serge fritz crê que "este vazio torna-se um fosso que potencia o distanciamento e consequentemente as polarizações nos mais variados assuntos, desde a guerra na Ucrânia ao futebol. Basicamente, a sociedade é transformada num reality show".
No entanto, o artista reserva algum otimismo para o futuro e os jovens. "Curiosamente, as novas gerações dão-me esperança. Os mais novos são muito quitados em certos aspetos, tem expressividades muito próprias. E não me deixa de espantar a leveza com que encaram as questões de género e sexualidade. São muito mais arejados que a minha geração."
Sérgio Freitas afirma que o álbum não é um manifesto sobre a realidade. "Há talvez alguma ironia latente na música lá plasmada, que pode derivar da minha acutilância critica em relação ao fenómeno das redes", continua. "Sou eu a lidar com os meus demónios, a lidar com o meu baú e bagagem musical. O álbum obrigou-me a olhar para dentro e talvez para trás, o que eu detesto. Tentei criar um objeto artístico com princípio, meio e fim, de forma concisa e que possa espelhar um bocadinho o meu estado interior."
"A vida não pode ser só coisas sérias"
O álbum conta com títulos como "brava", "alodoxafobia", "panapaná", "o coração num bolso" ou "putas & vinho verde".
"Brava", o único tema pré-pandémico, é a alcunha da avó de serge fritz. "Era uma mulher muito brava, pela maneira como lidou com as vicissitudes da vida, como todas as mulheres nortenhas, que tem de assegurar a casa."
Já a segunda faixa, "alodoxafobia", com um ambiente mais negro, remete para a fobia ou medo do julgamento alheio. "As pessoas que sofrem desta condição não são capazes de se pronunciar abertamente numa conversa. Acho que Portugal parece um país alodoxafóbico."
O disco termina com "putas & vinho verde": "É uma expressão portuguesa, muito nortenha. Uso-a no dia-a-dia, às vezes até a despedir-me de alguém", continua. "O disco começa com 'brava', uma música solene e acaba em festa. Porque a vida também não pode ser só coisas sérias".