Com uma vida marcada pela dependência do álcool e drogas, histórico vocalista dos The Pogues destacou-se pela mistura de rock e música folclórica. Para a história ficam vários êxitos e uma bela canção de Natal: “Fairytale of New York”.
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Dono de uma voz e uma pose inconfundíveis, o músico irlandês Shane MacGowan faleceu ontem, aos 65 anos. Várias vezes anunciada ao longo dos anos, devido a um modo de vida feito de excessos com álcool e droga, a morte foi confirmada pela esposa, Victoria Mary Clarke, sem avançar, todavia, com a causa. Mas sabe-se que Shane esteve hospitalizado vários meses nos cuidados intensivos devido a uma encefalite viral.
Num discurso emotivo nas redes sociais, a companheira recordou Shane como "o amor da minha vida, a alma mais bonita, o mais bonito anjo, o sol e a lua, o início e o fim de tudo o que tenho como querido".
O que os Pogues, banda que ajudou a fundar em 1982, trouxeram para a cena musical não foi coisa pouca: conjugar a harmonia vibrante do folk celta com a energia do punk. Tudo devidamente emoldurado com letras inspiradas pela literatura, mitologia e leituras bíblicas.
A mistura explosiva entre estes elementos resultou numa sonoridade original que MacGowan justificou, anos mais tarde, com a vontade de romper com o que era então norma, insatisfeito como estava com os padrões habituais do rock. "Queríamos apenas fazer música que tivesse raízes, que fosse mais forte e tivesse mais raiva e emoção reais", afirmou.
Logo desde os primeiros anos, os Pogues assumiram-se como porta-estandartes da cultura e do nacionalismo irlandeses. Um protagonismo que era audível nas letras mas também visível nos concertos, com frequentes apelos em prol da manutenção da identidade do seu país.
Num documentário dedicado ao seu percurso, "Crock of gold: a few rounds with Shane MacGowan", de Julian Temple, o vocalista e letrista admitiu que o seu envolvimento com a causa nacionalista se deveu "à falta de coragem em aderir ao IRA. Os Pogues foram a minha maneira de superar isso", confessou.
Uma lenda ao vivo
Se os discos ajudaram a levar as canções a um público vasto, era nos concertos que os Pogues atingiam a máxima expressão com a predisposição inata para a folia. Não raras vezes, Shane MacGowan apresentava-se num estado etílico tal que a fama de boémio inveterado ganhou contornos de lenda - como o Pavilhão das Antas, no Porto, viu em 1989. Os distúrbios alastravam-se com frequência à plateia, originando zaragatas monumentais.
Fartos da instabilidade do vocalista, os restantes Pogues chegaram a expulsá-lo da banda. MacGowan formou então os Popes, grupo com o qual lançou dois discos, sem alcançar sucesso de maior. Mas as pazes com o agrupamento que o celebrizou acabaram por acontecer, com o artista a integrar a formação em vários concertos.
O improvável clássico de Natal
Em 1987, os Pogues lançaram o seu maior êxito: "Fairytale of New York", uma balada de amor e dependência que é dos mais belos temas de Natal de sempre - e que chegou a n.º 2 do top inglês.
A popularidade do dueto entre Shane MacGowan e Kirsty MacColl não se resume a esse ano: com mais de três milhões de cópias vendidas no Reino Unido, o tema figura todos os anos, desde 2005, nas habituais tabelas natalícias.
Com um álbum destacado na discografia dos Pogues, "Rum, sodomy & the lash", de 1985, entre os maiores êxitos contam-se canções como a meditativa e gentil "Rainy night in Soho", a valsa melancólica "Pair of brown eyes", o fervente hino anti-capitalista "Dirty old town" e ainda, entre muitas outras que versavam o amor, o combate e a queda, o improvável dueto que fez com Nick Cave em 1992, numa versão cheia de charme canalha do clássico intemporal celebrizado por Louis Armstrong "What a wonderful world".