O duo britânico descarregou mais de uma vintena de temas do seu punk-rap dançável e as cadeiras da sala Suggia ficaram livres. A abrir, os portuenses Sereias confirmaram ter música.
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A sala Suggia da Casa da Música estava bem composta quando os Sleaford Mods subiram ao palco. Foi o momento em que as centenas de cadeiras se tornaram um incómodo. Quase toda a gente se levantou e começou a mexer o corpo. A voz de Jason Williamson, que nunca se mostrou cansada, tomou conta do espaço, enquanto a música, pré-gravada, era lançada por Andrew Fearn, a outra metade do duo de Nottingham que sábado à noite passou novamente por Portugal, desta vez numa sala que não seria a mais adequada ao punk-rap dançável.
Com o novo disco “UK Grim” para promover, não surpreendeu que temas mais recentes fossem alinhados logo no arranque do concerto, e desfiados depois ao longo de uma noite em que o Mods percorreram os seus principais sucessos de uma carreira iniciada em 2007 e sonorizada numa dúzia de álbuns.
Não houve surpresas. Jason Wiliamson demonstrou ter garganta para debitar rimas sem parar. Nem sempre se percebe o que diz, o sotaque de East Midlands não ajuda nada, mas é inegável que tem fôlego. O abraço com o público foi em crescendo. A versão de “West end Girls”, tema do Pet Shop Boys, foi recebida com entusiasmo e para a parte final do espetáculo ficaram reservadas as mais populares “Tied Up In Nottz” e “Jobseeker”. Foi quando o duo se mostrou mais comunicativo após debitar cerca de 20 músicas sem interrupções, Fearn tirou a t-shirt para a oferecer a fãs da primeira fila e Williamson deixou claro que apreciou as belezas do Porto. Acabaram em grande com “Tweet, Tweet, Tweet”.
Antes, a Sala Suggia tinha vivido outra revolução. Se com os Sleaford Mods não havia instrumentos, com os portuenses Sereias, que fizeram a primeira parte, a banda sonora foi outra. Com sete elementos em palco, o free-rock com ecos de punk, krautrock e psicadelismo do coletivo que conta com dois álbuns editados - “O País a Arder” e “Sereias” - confirmou que vive ali um dos projetos mais interessantes da música nacional.
Foi um bom concerto, sustentado na exploração musical das improvisações que deram corpo aos temas gravados em disco. António Pedro Ribeiro, o poeta embriagado que dá voz às angústias existenciais contemporâneas e à revolta contra o conformismo e modelização da vida moderna, confessou estar num palco ambicionado. “É um sonho estar aqui”.
E se os Sleaford Mods disparam palavras contra o capitalismo, a indústria farmacêutica ou os apologistas do Brexit, mas há meses abandonaram um concerto em Madrid por ter sido lançado repetidamente para o palco um keffiyeh, o lenço palestinano (“Não temos que tomar posição”, justificou a banda), com António Pedro Ribeiro e os Sereias o tom é mais sem neutralidade. No concerto, as críticas foram além do “Governo corrupto”e dos “fascistas e nazis” do Chega – a situação em Gaza não foi esquecida e aos seus responsáveis não parece haver perdão: “Merecem todos arder no inferno”.