A variante urbana prospera. Neste fim de semana há dois festivais: o Wool, na Covilhã, e o Fenda, em Braga.
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No início deste mês, o artista Miguel Januário, aliás maismenos, inaugurou em Oeiras um monolito chamado "Monumento à Street Art", a convite do curador Mistaker Maker. Um trabalho que aborda a dualidade da street art. "Se por um lado temos um trabalho ilegal, de intervenção social e política, há também agora um lado mais comercial que por vezes serve de instrumento político e de decoração", conta o artista ao JN.
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Exemplo da mudança é a multiplicidade de festivais dedicados à arte urbana que florescem no país. Só este fim de semana arranca o Wool, na Covilhã, que celebra uma década de existência, e o Fenda, em Braga. Ambos contam com o apoio das respetivas autarquias. E na semana passada, o Festival Sm"arte levou murais a sete aldeias de Bragança.
"Com a pandemia notámos o interesse crescente das câmaras municipais, o que foi excelente, uma vez que não pudemos realizar projetos no estrangeiro durante bastante tempo" diz ao JN Bordalo II, artista que por estes dias se encontra na Córsega com um dos seus trabalhos.
A diferença é notória. Lara Seixo Rodrigues, fundadora do Wool, defende que "quando começámos, há dez anos, existiam apenas dois artistas reconhecidos em Portugal. Agora há dezenas. Há até uma geração completamente estabelecida que nunca chegou a trabalhar na rua e entrou diretamente no circuito comercial e expositivo e nas galerias".
PERFECIONISMO ESTÉTICO
O artista Odeith explica o fenómeno a este jornal, enquanto pinta um dos pilares da ponte Vasco da Gama, em Lisboa. "Tudo mudou. O estilo artístico e o nível de perfecionismo é agora muito maior. Se inicialmente o grafíti em Portugal era muito repetitivo e tradicional, agora tenho a liberdade de estar fechado cinco dias em cima de uma grua. Antigamente pediam-nos um quarto de criança, agora pedem o Estádio da Luz ou a Microsoft".
"Há uma diferença entre o que existe em Portugal e o fenómeno mundial", prossegue a curadora Lara Seixo Rodrigues. "Os artistas portugueses faziam trabalho de forma ilegal, mas completamente pacífica. À exceção dos comboios, o país é completamente permissivo com os murais" .
São esses murais que se destacam na programação do Wool, que em dez anos alterou a paisagem da Covilhã, sempre com artistas distintos e um legado de 40 murais. Por aqui passaram 46 autores portugueses e 23 estrangeiros. Em 2021, e entre outros, o Colectivo Licuado, do Uruguai, vai desenhar um mural representativo dos 140 anos da primeira expedição científica à serra da Estrela. Se na primeira edição foi fulcral o apoio da DGArtes (apoio que foi sendo intermitentemente renovado), agora não só a tutela, como a Autarquia e 20 empresas da zona apoiam o Wool.
O Festival Fenda, em Braga, foi criado a pedido da Autarquia, o que permitiu "criar uma massa agregadora de autores de Braga, que não se resumam à pintura de murais, mas também da música, área em que a cidade tem muitos artistas", explicou o curador Francisco Quintas. Uma forma de demonstrar que a "arte urbana tem muitos territórios de criação para lá do hip-hop e dos murais".
Criminalizar ou não? Comboios acendem debate
Em setembro do ano passado, vieram a público notícias de uma intenção de alteração da lei 61/2013, criada pelo Governo de Pedro Passos Coelho. Tudo porque a CP terá gasto 370 milhões de euros em limpeza de comboios só em 2020. No entanto, fonte do Ministério da Justiça disse ao JN que "não houve nenhuma alteração da nossa parte". O advogado João Pinho explicou ao JN que "a lei de 2013 permite que seja aplicada uma contraordenação leve, grave ou muito grave, a quem for agente de vandalismo", e que "erroneamente foi considerado que esta lei era uma despenalização, causando dúvidas até entre magistrados".
Um dos casos mais mediáticos foi o de dois jovens apanhados a grafitar um comboio em Marco de Canaveses, em 2016. Começaram por ser contemplados apenas com uma contraordenação, mas um recurso levou o caso ao Tribunal da Relação do Porto, que o considerou um crime de dano. Um dos arguidos recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, acabando culpados de dano qualificado.