Já não arriscam incursões urbanas com a atual pandemia, mas não pararam de trabalhar nem de pensar no futuro. Quatro artistas contam a sua experiência ao JN.
Corpo do artigo
12013734
A natureza do seu trabalho implica estarem na rua, onde deixam marcas em paredes, muros, empenas. E as suas imagens tornaram-se parte das paisagens urbanas nas últimas décadas. Uma parte orgânica, sem a qual já não imaginamos as nossas ruas e praças. Mas agora, com as restrições motivadas pela pandemia do novo coronavírus, os "street artists" perderam o local de trabalho e recolheram a casa. E é daí que planeiam um futuro - incerto, difuso e um pouco assustador. Mas que virá um dia, e por isso o trabalho continua.
Miguel Januário, o "mais-menos", conhecido pelas suas frases interventivas, como "O povo vencido jamais será unido", ou "Poupe água! Assim podemos jogar golfe", considera que este contexto até seria favorável à arte pública, "porque não há ninguém nas ruas e seria mais fácil trabalhar", mas também reconhece que tal ato seria provocatório e irresponsável, "quase como ir passear em grupo para as marginais". Por isso, fica em casa, dando aliás continuidade a uma "quarentena" que já se prolonga desde que foi pai, no início de fevereiro.
Mas a atividade não parou, e Januário continua empenhado numa série de projetos, como a apresentação que irá fazer a 4 de abril, na "Emergency edition" do Festival Iminente, que se realiza integralmente "online" e é organizado por Vhils, outro célebre "street artists" português. Quanto ao futuro, há "mais" e "menos" a considerar: "será uma oportunidade de repensar toda a estrutura comunitária e política, e de dar mais importância à ciência, mas há aqui um novo paradigma, fundado no medo, que poderá ser aproveitado por populismos e autoritarismos."
O futuro preocupa também Tamara Alves, artista lisboeta metida em casa desde 14 de março. "Sendo otimista, e recebendo tudo o que tenho a receber, aguento seis meses nestas circunstâncias. Depois, entro numa zona incerta", admitiu a criadora, cujos trabalhos cruzam figuras humanas e animais e transmitem uma misteriosa serenidade. Entretanto, ocupa-se com outros suportes, e encontra algumas vantagens na situação: "O isolamento é um dom, dizia o Bukowski, e para um artista, a falta de distrações, obriga-o a concentrar-se no trabalho."
Também Mr.Dheo, que espalhou a suas imagens de foto realismo por mais de 50 cidades no Mundo, está habituado a longos períodos de "quarentena", focado apenas nas suas obras, mas vê o próximo ano com apreensão: "O meu trabalho é um capricho neste contexto, e será a última coisa a ser apoiada, por autarquias ou empresas, quando o pior passar."
E Hazul, "street artist" que evoluiu das "caligrafias" para imagens mais ou menos abstratas, onde se reconhecem uma série de elementos religiosos, transferiu o seu ateliê para casa e admite que, apesar de não representar "acontecimentos externos", mas sim um "universo pessoal", será provável que toda esta situação tenha influência no seu íntimo.