Peça teatral "Eu nunca vi um helicóptero explodir" relata a vida de um casal em crise durante o período de confinamento. Estreia é quinta-feira em Famalicão.
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Os rostos são os mesmos do premiado texto "A vida no campo". Mas, dois anos e uma pandemia pelo meio depois, a primeira peça escrita pela dupla Joel Neto/Catarina Ferreira de Almeida evolui na continuidade e aprofunda os sinais de angústia e crise conjugal já latentes.
Com estreia marcada para amanhã, às 20.15 horas, na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão - palco onde vai estar em cena até sábado -, "Eu nunca vi um helicóptero explodir" volta a juntar a encenadora Luísa Pinto aos atores António Durães, Filipa Guedes e ao jornalista Fernando Alves.
"Senti que "A vida no campo" não era um capítulo fechado. Queria continuar a explorar a vivência do casal, num novo contexto", diz Luísa Pinto, diretora artística da companhia Narrativensaio, que não tardou a desafiar a dupla para nova abordagem dramatúrgica.
O "sim" imediato dado pelo então casal "salvou-nos a vida", afirma a encenadora. "Termos tido a oportunidade de desenvolver um projeto de raiz permitiu-nos encarar o confinamento de outra forma".
Se a peça inicial era ainda muito marcada pela ideia de regresso às origens, com todo o encantamento que esse ideal traz, agora é a realidade que fala mais alto.
"É um casal que vive um triplo confinamento. O que é provocado pela pandemia, mas também pela fatalidade geográfica que significa viver numa ilha e, por fim, pelo facto de estar numa crise criativa durante o processo de escrita de uma peça de teatro", explica Catarina Ferreira de Almeida.
Com as notícias da pandemia em fundo, lidas de viva voz por Fernando Alves, o casal tenta lutar como pode contra a rotina, os gestos instalados e a monotonia que começa a torpedear aos poucos a relação.
Nesta "rotina doméstica atravessada pelo ato criativo", como descreve a coautora, a principal consequência não será tanto "a angústia do processo de criação" como "a inevitável erosão das relações". Afinal, "o amor é um sentimento fugaz que nos esforçamos para que seja duradouro".
elogio das vidas comuns
Quando John Cassavetes disse numa entrevista que nunca tinha visto helicópteros a irem pelos ares, quis colocar em causa a própria lógica dos blockbusters, assentes numa espetacularidade que não encontra eco nas rotinas do dia a dia.
Tal como o cineasta americano, a dupla de criadores pretendeu colocar o foco nos dramas quotidianos, porque "todos os dias vivemos pequenos heroísmos e tragédias".
Aos espectadores não é pedido apenas que assistam de forma passiva ao desenrolar da história. Nesta "peça dentro da peça", real e ficção também se confundem. Numa tela ao fundo do palco vão sendo projetadas imagens do casal que contrastam com a própria ação da narrativa. Com esta engenhosa solução, pretende-se, segundo a criadora, fazer alusão "aos simulacros de nós próprios que hoje oferecemos através das redes sociais, projetando imagens nem sempre coincidentes com a realidade".
baião e açores a seguir
"Homem da prosa, da sua arquitetura e pulsão", Joel Neto admite que o texto teatral, "por ser mais concetual", não é a sua "primeira pulsão". Todavia, apesar de agora o seu contributo ter sido "sobretudo nos diálogos", acredita que o resultado final "representa um tempo profundamente enriquecedor, a nível criativo e intelectual".
Findas as apresentações em Famalicão, a peça terá passagens por Baião (15 de maio) e Açores (22 de maio). As novas marcações estão dependentes da evolução da situação pandémica.