D. Maria, em Lisboa, e S. João, no Porto, apresentam seis espetáculos em comum. Tchekhov dá o tiro de partida.
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Desde "Os últimos dias da humanidade", do austríaco Karl Krauss, texto sobre o mal absoluto encenado em 2016 por Nuno Carinhas e Nuno M. Cardoso - mais de 700 páginas de tragédia e perto de 500 personagens para uma peça com quase nove horas de duração -, que o teatro em Portugal não assistia a uma maratona tão exigente: Tónan Quito leva hoje ao palco do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), em Lisboa - em estreia absoluta e assinalando a abertura da nova temporada - o espetáculo "A vida vai engolir-vos".
A proposta reúne quatro das principais peças de Anton Tchekhov - a encenação vai cruzando os atos de "A Gaivota", "O Tio Vânia", "As Três Irmãs" e "O Ginjal" - num desafio que implica dez horas consecutivas de concentração (ou a disponibilidade de dois dias para assistir a duas partes com mais de quatro horas cada) repartidas por dois espaços físicos: no caso de Lisboa, pelo TNDM e o Municipal S. Luiz; no caso do Porto, pelo Teatro Nacional S. João (TNSJ) e pelo Rivoli.
O ambicioso projeto de Tónan Quito - o encenador vive há muito imerso no universo do dramaturgo russo, tendo já integrado os elencos de Nuno Cardoso para as peças"Platonov" (2008) e "As Três Irmãs" (2011) - é apenas a ponta do iceberg de uma programação que este ano estreita o vaso comunicante entre o Porto e Lisboa. Alinhados, os dois teatros nacionais apoiam e apresentam, em comum, seis espetáculos [ver ficha] que, de outra forma, não seriam viáveis.
Apoiar e arriscar
Não se trata, ressalva Nuno Cardoso, diretor artístico do TNSJ, de "gerar uniformidade na oferta" mas de permitir o desenvolvimento de projetos que, "sem a união dos teatros, seriam impossíveis do ponto de vista orçamental e conceptual".
Os principais beneficiários desse entendimento, realça Tiago Rodrigues, diretor artístico do TNDM, são os artistas e o público. "Apesar de estarem suborçamentados para a missão que têm, os teatros nacionais têm fôlego para apostar na produção da cena independente e para assumir, enquanto fábricas de experimentação, o risco dessa aposta." Chamar a si essa tarefa não diminui, sublinha, "a urgência de mudar o paradigma de financiamento do teatro em Portugal", onde, lamenta, "mesmo as companhias históricas são cada vez mais votadas à precariedade, hipotecando o futuro - delas e da própria história do Teatro."
Se a empreitada tchekhoviana estreia em Lisboa, a peça "Bajazet, Considerando o Teatro e a Peste", do alemão Frank Castorf, diretor histórico do Volksbühne de Berlim desde 1992, passa primeiro pelo Porto. Mas a ordem de apresentação é indiferente, concordam os dois diretores.
"A vontade de tornar acessível ao público de vários pontos do país um teatro com escala - não só Porto e Lisboa, a peça "Catarina e a beleza de matar fascistas", por exemplo, tem estreia absoluta no dia 19 deste mês em Guimarães - e a vontade de estimular artistas a irem mais longe, é mais importante do que a vaidade de oferecer a estreia em casa", diz Tiago Rodrigues, para quem "ser ponto de partida é tão importante como ser ponto de passagem ou de chegada". Nuno Cardoso corrobora. "Nem sempre é a questão económica que nos torna parceiros. É o facto de ambos querermos proporcionar uma experiência em vários territórios." Exemplo disso é a relação que o TNSJ está a desenvolver com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, em particular com Cabo Verde.
Programação comum
A Vida Vai Engolir-vos
Tónan Quito
Quatro das principais peças de Tchékhov fundidas num só espetáculo, com dez horas de duração.
De 1 a 12 setembro, em Lisboa
Dias 18 e 19 de setembro, no Porto
OFF
Jorge Andrade
A Mala Voadora propõe um espetáculo sobre o fim da originalidade, da vida, do planeta, de tudo. E festeja.
De 2 a 4 de outubro, no Porto
De 14 a 31 de janeiro de 2021, Lisboa
Fake
Miguel Fragata
Inspirado na figura de Norma B., escritora de romances policiais, a peça explora as fronteiras da verdade.
De 3 a 20 de dezembro, Lisboa
De 24 a 28 fevereiro 2021, Porto
Bajazet, Considerando o Teatro e a Peste
Frank Castorf
Castorf une textos de Racine e Artaud para, através da palavra falada, acordar os nossos demónios.
Dias 17 e 18 dezembro, Porto
Dias 12 e 13 de março 2021, Lisboa
Morte de um Caixeiro Viajante
Jorge Silva melo
Os Artistas Unidos regressam aos anos 40 magoados da América do pós-guerra, num texto de Arthur Miller
De 4 a 28 de fevereiro de 2021, Lisboa
De 11 a 27 de março de 2021, Porto
Catarina e a Beleza de Matar Fascistas
tiago rodrigues
O que é um fascista?, pergunta o encenador. Há lugar para a violência na luta por um mundo melhor?
De 11 a 20 de fevereiro de 2021, Porto
De 7 a 25 de abril de 2021, Lisboa