Segundo romance de Rui Couceiro, “Morro da Pena Ventosa”, entrelaça o humanismo com a reflexão e o sonho.
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O Porto, esse “coração que bate” em permanência, é convocado em toda a sua extensão – física e mental – no novo romance de Rui Couceiro. Após a estreia de fôlego com “Baiôa sem data para morrer”, o escritor e editor trocou o espaço imaginário onde se desenrolou essa narrativa por um território que lhe é bem familiar: o Porto.
A partir da forte identificação com a velha urbe, alicerçada numa pesquisa rigorosa, o autor ergueu um espaço literário próprio, cujo principal mérito foi o de entrelaçar duas vertentes que nos habituámos a colocar em polos distintos, quando não opostos: a realidade e a fantasia. O que resulta desse olhar amplo lançado por Rui Couceiro é um duplo apelo à reflexão e ao sonho.
Romance de múltiplas personagens, que fazem jus ao caráter e autenticidade das suas gentes, este “Morro da Pena Ventosa” (Porto Editora) não se esgota, todavia, na dimensão humanista, por muito forte que seja a relação construída ao longo destas páginas com figuras representativas da sua natureza variada.
Beta, a narradora da história, é uma habitante da Sé, onde se situa o lugar que dá título ao livro. Graças ao fluxo abrupto de visitantes da última década, encontra emprego como guia turística, deleitando os turistas com o manancial de histórias seculares sobre a cidade, muitas das quais aprendidas com Germano Silva, o que a leva a considerar-se “germaniana”.
Mas se o turismo lhe trouxe o desejado ganha-pão também acabou por expulsá-la do seu berço, quando engrossa o rol das vítimas da especulação imobiliária. Ao trazer para o romance uma realidade tão premente e atual como a gentrificação, Rui Couceiro desafia os portuenses (e não só) a pensarem sobre o que são e a cidade que querem ter, num equilíbrio que será sempre de difícil manutenção.
Tão exemplarmente retratado nas páginas dos livros ao longo dos tempos, de Almeida Garrett a Agustina Bessa-Luís, de Eugénio de Andrade a Manuel António Pina, o Porto passa a ter, com este “Morro da Pena Ventosa”, mais um ilustre habitante nesse território de fundos alicerces que é a literatura.