A carreira de Jane Birkin: modelo, atriz, cantora, influenciadora, símbolo de uma época e grande paixão de Serge Gainsbourg. A artista inglesa morreu ao 76 anos. É imortal.
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Para quem ainda viveu antes de abril de 74, Jane Birkin estará para sempre intimamente ligada à canção “Je t’aime... moi non plus”, composta por Serge Gainsbourg e interpretada por ambos. Com letra sexualmente explícita e os gemidos de prazer de Serge e Jane, o tema seria banido das rádios de vários países – em Portugal, até a venda foi proibida – e ouvi-lo "na clandestinidade" era um ato de resistência face a um regime que ditava “valores” e “moralidade”.
Jane Birkin nasceu em Londres, a 14 de dezembro de 1946. Este domingo,16 de julho de 2023, foi encontrada sem vida, na sua casa de Paris, onde vivia há mais de 50 anos, desde que aí se instalara com Gainsbourg.
Mas já vivera muito. Conheceu o fotógrafo norte-americano John Barry aos 17 anos, casaram, tiveram uma filha, Kate Barry, em 1967, mas divorciaram-se em 68, e John voltou à América.
Tendo começado a fazer audições para filmes, teve uma curta mas inesquecível aparição no filme que Michelangelo Antonioni foi fazer a Inglaterra, “Blow-up – História de um fotógrafo”, captando bem o espírito da época. Jane e Vanessa Redgrave eram duas jovens modelos que apareciam na casa-estúdio do fotógrafo interpretado por David Hemmings, com quem se enrolavam, literalmente, numa sessão fotográfica. A nudez de Birkin, cortada também nas cópias exibidas em Portugal antes de 1974, é outro momento icónico e faz parte de vários dos cartazes produzidos sobre esta obra-prima do cinema da época.
A filha Charlotte Gainsbourg
Foi graças ao cinema que Jane conheceu Gainsbourg, já um cantor e ator muito popular em França, com quem contracenou no filme “Slogan”, em 1968. Em 1969 surgia o álbum “Jane Birkin/Serge Gainsbourg”, que tinha o tema maldito.
Jane viveu com Serge Gainsbourg até 1980. Dezasseis anos mais velho, o compositor iconoclasta faleceria em 1991, mas Jane nunca o esqueceria. Seria em Londres, em 1971, que Jane deu à luz Charlotte Gainsbourg, hoje cantora e atriz de direito próprio, mais conhecida pelos filmes, também arrojados, que fez com Lars von Trier. Vivendo algum tempo de costas voltadas, Charlotte faria uma comovente estreia na realização com um documentário sobre a sua mãe, “Jane par Charlotte” (2021).
Ainda com Serge Gainsbourg, Jane interpretaria uma versão cinematográfica muito livre de “Je t’aime... moi non plus”, interpretada por outro ícone da arte pop, Joe Dalessandro, ator-fetiche de Andy Warhol. Estreado em Portugal em 1976, já em plena liberdade, o filme jogava com a imagem andrógina de Jane, uma jovem que vivia numa caravana, e com a simbologia gay de Joe, um camionista por quem se apaixona, apesar do patrão dizer que ele não gostava de mulheres.
De tal forma Jane é um símbolo da moda que a Hermés criou uma mala com o seu nome, que se tornaria um dos seus produtos mais escandalosamente caros. Reza a história que um executivo da companhia estava ao seu lado num avião quando Jane deixou cair todos os seus haveres da mala que tentava colocar na bagageira, queixando-se de nunca ter encontrado a mala de pele ideal para viajar.
Troca Serge, tem outra filha
Em 1980, Jane trocava Serge Gainsbourg pelo realizador Jacques Doillon, com quem viveu até 1992 e de quem teve uma terceira filha, a também atriz, e cantora, Loui Doillon, nascida em 1982. Jane continuou uma carreira dupla de cantora e atriz. Em 2002, gravou no Olympia de Paris o álbum “Arabesque”, tributo à música de Gainsbourg, com que fez uma digressão europeia que passaria pela Culturgest, num concerto memorável.
Antes, em 2000, Jane entrava numa coprodução luso-francesa de Paulo Branco, “Ceci est mon corps”, que nunca estrearia nas nossas salas. Mas são lembradas as suas aparições em duas adaptações de Agatha Christie, “Morte no Nilo” e “Morte ao sol”, bem como em títulos emblemáticos como “Se D. Juan fosse uma mulher” ou “Projeção privada”, sendo ainda dirigida por Godard (“Atenção à direita”) e por Alain Resnais (“É sempre a mesma cantiga”).
Jane, que testou a realização com vários vídeos e o filme “Boxes”, de 2007, viu Agnès Varda dedicar-lhe “ Jane B. par Agnès V.”.
Jane deixou-nos, mas a sua voz e presença únicas ficarão para sempre na nossa memória, individual, global, imortal.