Júri de Juliette Binoche considerou “Um simples acidente” o melhor filme do festival.
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Depois do susto de mais de quatro horas de blackout que deixou a cidade e toda a região da Côte d’Azur sem eletricidade, pensando-se a esta hora que tenha resultado de um ato de sabotagem, o Festival de Cannes teve o seu desfecho sem nenhuma outra atribulação de maior. A não ser a desilusão dos perdedores.
Quem está feliz, e merecidamente, é o iraniano Jafar Panahi que, em “Um simples acidente”, provoca a discussão sobre se o futuro do seu país e das pessoas que nele vivem será feito de vingança ou de perdão. O realizador, que junta ao Urso de Ouro de Berlim o prémio maior de Cannes, já esteve várias vezes preso no Irão e suportou um longo período de interdição de filmar. O que não o impediu de continuar, rodando praticamente todos os seus últimos filmes na clandestinidade.
Juliette Binoche, antes de anunciar o vencedor, recordou que “estamos aqui com todos os que sofrem, não pelas suas opiniões políticas, mas pelo coração, pela compaixão, pela ternura, por uma humanidade partilhada, pela liberdade reencontrada”. E continuou: “A arte provoca, questiona, investe, mobiliza a energia criativa em nós. É uma força capaz de transformar as trevas na esperança de uma vida nova.”
Panahi estava em estado de completa graça ao receber a Palma de Ouro das mãos de Juliette Binoche e Cate Blanchett, começando o seu discurso por agradecer à sua família, pelo tempo que o cinema lhe impede de estar com ela, a todos os seus produtores, que lhe permitiram concluir o filme e a uma equipa empenhada. Mas disse também, falando sempre na bela língua farsi: “É a altura de pedir uma coisa a todos os iranianos, a viver no Irão e em todo o mundo, de todas as opiniões. Ponham todas as suas opiniões diferentes de lado, o mais importante neste momento é o nosso país e a liberdade no nosso país. Que ninguém nos diga o que temos de dizer, o que temos de fazer.” E concluiu: “O cinema é como a sociedade, ninguém tem o direito de nos dizer que filmes devemos fazer e não fazer. Esperamos por esse dia.”
O júri presidido por Juliette Binoche entregou um prémio especial a “Ressurection”, obra experimental do chinês Bi Gan. Dentro dessa linha mais radical, o Prémio do Júri foi partilhado pelo espanhol “Sirat”, de Oliver Laxe, para muitos o melhor filme de Cannes 2025, e “Sound of Falling”, da alemã Mascha Schilinski.
Kléber Mendonça Filho também pode considerar-se um dos grandes vencedores de Cannes. Depois de “O Agente Secreto” ter vencido o Prémio da Crítica Internacional, o júri oficial entregou-lhe o Prémio de Realização, sucedendo assim a Miguel Gomes, que o ano passado vencera o mesmo prémio, por “Grand Tour”. Mas o filme brasileiro, que se passa no Recife, a meio da década de 1970, também premiou Wagner Moura como Melhor Ator.
Para Melhor Atriz, o júri foi sensível ao retrato criado por Nadia Melliti de uma jovem muçulmana lésbica, personagem central de La petite dernière”, de Hafsia Herzi. Os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, papa prémios em Cannes, onde pertencem ao grupo restrito de duplos vencedores de uma Palma de Ouro, ficaram desta vez com o prémio de Melhor Argumento, para o que é um dos seus melhores filmes dos últimos tempos, “Jeunes mères”, retrato sensível mas lúcido de cinco jovens com o dilema de o que fazer ao terem uma criança muito cedo nas suas vidas.
Do palmarés oficial conta ainda o Grande Prémio, atribuído a “Sentimental Value”, do norueguês Joachim Trier. A Caméra d’Or, que premeia o melhor primeiro filme em todas as seções, foi entregue ao primeiro filme iraqu9ano em Cannes, “The President’s cake”, de Hasan Hadi. A Palam de Ouro da curta-metragem foi entregue a “I’m glad you are dead now”, de Tawfeek Barhom. Trata-se da primeira realização do ator nascido em Israel, mas que apresenta aqui um filme representando a Palestina. Desta forma, as duas curtas-metragens portuguesas da competição, assinadas por Inês Nunes e Gabriel Abrantes, ficaram de fora do palmarés.