Corpo do artigo
É sempre difícil e constrangedor para um enólogo escrever sobre os vinhos "dos outros". Arrisca-se aqui dois brancos de uma casta e um tinto (se é que se pode chamar tinto), uma mistura de algumas castas ou não, dependendo de para que lado da cama está virado o produtor. Comecemos pelos brancos, ambos do Douro, o MAPA Moscatel Galego e o PRIMA do Vallado, o primeiro Moscatel Galego a "dar que falar". O que aqui está em causa é a casta. Quando bem trabalhada, como nestes dois casos, dá vinhos que caracterizo como "afeminados".
No copo, o MAPA e o PRIMA explodem em aromas de flores, nuances de líchia e um ligeiro tropical que teima em desaparecer. O Moscatel Galego é marcante. Mas foi isto que os produtores quiseram fazer e fizeram bem. Na boca, além de frescura e da sensação de alguma "doçura" que não têm, estamos a beber o perfume que sentimos no nariz.
Apaixonante, mas não se deixem enganar. Ao fim de alguns goles valentes estão monocórdicos e, ao fim de muitos copos, "enjoados". É que a casta Moscatel Galego tem um nome-código: Stormy Daniels. À primeira vista, deslumbra qualquer um, radiosa, numa explosão de emoções e perfumes. À mesa, ainda poderá iniciar alguns pratos, mas não passe a noite com ela.
Voltemo-nos para o tinto. Tinto? É mais um palhete. No rótulo está escrito: "Bairrada DOC Vinho Tinto 2016". A garrafa apela: "DRINK ME". É um vinho que pede para ser bebido e fresco. Tem pouca cor, sem corpo, 12% de álcool, despretensioso. Aromas?
Sinto um descritor muito utilizado no século XX: vinoso (que penso que queria dizer que cheira a vinho). Telefono ao produtor para saber como foi feito. O perfil do produtor não tem nada a ver com o deste vinho. É alto, encorpado e no cabelo não entra o pente. Quando aparece de calça curta, faz lembrar fotógrafos americanos no meio da savana africana: Dirk Niepoort! A resposta: "Põe-se para lá as uvas com engaço e tudo. Dá-se pouco trabalho. Pouca extração". E é monocasta? "Pode ser ou não". É um vinho "estranho".
Mesmo num tinto com pouca cor, como os borgonhas e outros Pinot Noir, estaríamos à espera de mais alguma coisa não fosse a filosofia deste vinho, expressa no nome NAT"COOL, que eu traduzo como portuense para "Naturalmente porreiro".
E há regras. Estão escritas no rótulo, em inglês. Não são os 10 Mandamentos, mas oito as regras NAT"COOL. Um vinho porreiro, que eu gosto de beber à golada, com ou sem comida. Um vinho sem problemas, que não se ama. Bebe-se.
Mapa
CASTAS - 100% MOSCATEL
GALEGO BRANCO
PVP - 7,8 €
Quinta do Vallado - Soc. Agrícola, Lda.
CASTAS - 100% MOSCATEL
GALEGO BRANCO
PVP - 8,50 €
Todos os domingos, na edição impressa do JN, damos-lhe sugestões de vinho.