É um dos cineastas chineses mais apreciados da sua geração e um dos maiores documentaristas do cinema de hoje.
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É um grande acontecimento cultural em Portugal a estreia dos três tomos de “Juventude” – Primavera, Tempos Difíceis, Regresso a Casa -, onde acompanha ao longo de mais de dez horas a vida e as esperanças de vários jovens que vêm de toda a China para a região de Zhili, para trabalhar em pequenas fábricas têxteis. Wang Bing esteve a conversar com o JN.
O filme passa-se num local específico da China.
É um local muito especial, aquelas empresas são pequenas e familiares. Há cerca de vinte e cinco mil a operar naquele local. Em outras regiões as fábricas são enormes, com milhares de pessoas a trabalhar no mesmo local. Nessas grandes empresas nunca me dariam autorização para filmar. Em Zhili, como há tantas companhias, não há uma grande organização por detrás, por isso foi mais fácil movimentar-me nesse meio.
Há diferenças visíveis entre as vidas desses operários?
É praticamente a mesma em todos os locais. Pelo que sei, nas grandes empresas as horas de trabalho não são tão longas, nem tão intensas. De resto, a vida de migrantes é igual em todo o país, com pessoas que vêm de pequenas aldeias à procura de trabalho. E vêm apenas para trabalhar, não se podem instalar em definitivo, por causa das leis de residência. Não têm direito a cuidados de saúde e os filhos não podem ir à escola.
Que tipo de perspetiva resta a estas pessoas?
A maior parte dos jovens não consegue ter planos de longo prazo. O melhor que conseguem é ter planos de imediato. Têm um trabalho que não corresponde ao seu ideal, ao que querem fazer na vida. Fazem este trabalho porque o têm de fazer, para ganhar dinheiro. Na China, o sonho de toda a gente é o dinheiro.
Nota-se que há diferentes línguas faladas entre eles.
O mandarim é a língua institucional da China, que é ensinada nas escolas de todo o país. Mas também há imensas línguas e dialetos diferentes. Hoje em dia, a maior parte das pessoas compreende o mandarim, mas entre eles não gostam de o falar, até porque podem não o dominar muito bem. Preferem falar a sua própria língua.
Como é que se fez compreender, então?
Quando falava mandarim, as pessoas percebiam-me. E respondiam-me em mandarim, também. Eu não falava a língua deles, mas é só entre eles que falam essa língua. O problema principal não foi quando filmámos, mas quando começámos a montar o filme. Porque quando estou a montar, tenho de perceber o que eles estão a dizer.
Como é que foi esse processo de montagem?
Tínhamos 2600 horas de material filmado. Quando chegámos à sala de montagem, tivemos de começar a tomar decisões. Só percebia cerca de um terço do que eles estavam a dizer, por isso houve pessoas que me ajudaram a transcrever o que diziam. Porque o chinês escrito é todo igual.
Os seus filmes são quase sempre longos. Qual o conceito por detrás da sua duração?
Um documentário não é como uma ficção, onde se escreve um guião, com uma direção definida, calcula-se a duração de cada cena, pede-se aos atores para não a ultrapassarem. Num documentário não posso fazer isso, não consigo controlar o que as pessoas vão dizer ou como se vão mover. É claro que posso sempre cortar, mas a opção é entre fazer um filme mais curto ou dizer mais coisas.
Deve ter a consciência de que isso representa um desafio para os espetadores.
Se olhar bem para o filme, o ritmo é muito rápido. Não se pode dizer que haja pontos mortos. É longo, mas muita coisa foi deixada de fora. O que quis foi acompanhar a vida daquelas pessoas, como é que se desenrola, com todos os detalhes. Talvez tenha sido uma loucura fazê-lo assim.
Como é que descobriu aquela região?
Conheci algumas pessoas que iam para lá, para trabalhar. Fui para lá com eles. Não conhecia o local antes nem conhecia ninguém de lá. Foi um processo de adaptação e de aprendizagem muito lento. Foi com esses jovens com quem viajei que comecei a conhecer pessoas de lá.
Quando é que percebeu que havia um filme, ou três, a fazer?
Quando comecei à procura de dinheiro para fazer este filme ainda não conhecia muita gente lá. Mas fui estabelecendo cada vez mais contactos, conheci uma família, depois outra. Um ou outro local. Fui-me familiarizando com cada vez mais ruas, cada vez mais pequenas fábricas. Demorou um ano até estar preparado para começar a filmar.
Como é que ganhou confiança nas pessoas? Parece que nem dão pela câmara.
Para mim sempre foi muito fácil ligar a minha câmara à frente das pessoas. É algo de muito natural em mim. Neste filme, o primeiro episódio é sobre um jovem casal, estão a ter alguns problemas. Os três primeiros dias de trabalho foram suficientes para filmar esse episódio. Depois de começar, tudo se passa de forma muito simples.
O seu filme é uma coprodução entre vários países europeus. Qual a razão para não ter financiamento da própria China?
É muito simples. Desde que comecei a filmar, em 1999, nunca tive um cêntimo de nenhuma companhia de produção chinesa. Sempre pedi, mas isso é passado, não gostaria de entrar em pormenores.
Como é que vê o presente e o futuro do documentário?
O documentário é ainda um género menor na indústria cinematográfica global. Mas é um género muito importante, para mim. Talvez os espetadores de cinema ainda não achem um documentário muito atrativo, mas em termos do futuro do cinema como forma de arte o documentário vai ter um papel muito importante.