“Continuar a ser mãe, sem deixar de ser mulher” e “regresso não é uma regressão” são máximas que psicólogas deixam no dia da Mãe, evocado este domingo, 4 de maio, e para as progenitoras que veem regressar a casa os filhos que outrora saíram e que chegam agora, por vezes, separados e com os seus próprios filhos
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A maternidade começa muito antes de um parto e cada vez menos atinge a maioridade. Num país em que os filhos saem cada vez mais tarde de casa, por fatores sociais e económicos, torna-se crescente uma nova realidade: o regresso dos descendentes de 30, 40 e mais anos, ao lar inicial da família. Muitos até já não vêm sozinhos: trazem eles já os seus próprios filhos e traumas de uma vida em comum, a deles, e que não deu certo.
“Lidar com o regresso dos filhos a casa na idade adulta, especialmente depois de terem formado família, exige flexibilidade e adaptação, do ponto de vista prático e emocional”, antecipa a psicóloga Teresa Feijão. Carolina de Freitas Nunes sublinha que “conviver com um filho de 30 ou 40 anos dentro de casa não é a mesma coisa que criá-lo aos 10". "A dinâmica muda, os silêncios mudam, o lugar de cada um dentro da casa também. Há afeto, claro, mas muitas vezes há também cansaço. O tempo que se imaginava livre, depois de anos a cuidar de tudo e de todos, transforma-se num espaço partilhado onde nem sempre é fácil respirar”, descreve a psicóloga e diretora clínica da Cognilab. Fala-se, como refere a terapeuta, de “mães que vivem um tipo de maternidade prolongada, por vezes inesperada, que coloca em pausa certas liberdades associadas ao ciclo natural da vida familiar”.
Para esta especialista, para lá das mudanças que cheguem, é importante “continuar a ser mãe, sem deixar de ser mulher”. Já Teresa Feijão deixa bem claro que “regresso não é uma regressão” na estrutura e rotina familiares.
Estratégias para lidar com o regresso dos filhos a casa
Gerir as novas dinâmicas, redefinir regras de convívio e até despesas e contas de casa podem ser caminhos para ajustar esta nova ordem familiar. Um trabalho amplo que, na perspetiva de Teresa Feijão, começa por “procurar compreender os motivos do regresso”. Razões diversas podem implicar repostas distintas: “separações, dificuldades financeiras, problemas de saúde mental, mudanças profissionais, entre outras, são contextos que, entendidos, ajudam a moldar a resposta dos pais com empatia, mas também a definir limites”.
Num segundo momento, a especialista crê ser imperativo definir “novas regras de convivência” e que podem ser bastante amplas. Definir a “contribuição para as despesas da casa (financeira e/ou em tarefas domésticas), o respeito pelos espaços pessoais, a privacidade tanto dos pais quanto dos filhos, as rotinas da casa como horários, refeições, visitas, ruídos e o tempo da estadia ara evitar a tendência para a acomodação”.
Um processo de adaptação e de cuidado de parte a parte que pode antecipar o confronto com ”questões do passado mal resolvidas”, pelo que Teresa Feijão recomenda o eventual recurso a “terapia familiar ou apoio psicológico individual”. Mas nem tudo pode ser mau: “celebrar os bons momentos dessa convivência em refeições em conjunto, conversas, partilhas pode reforçar os laços”.
Alertas vermelhos e riscos a não pisar
Os filhos adultos que regressam a casa já não são os mesmos que saíram anos antes. Também as mães e pais mudaram. O novo confronto, por via do convívio permanente, pode fazer ressaltar antigas e novas diferenças.
Onde pôr o travão? É preciso evitar “voltar à dinâmica de “pais que cuidam dos filhos”, alerta Teresa Feijão, sob pena de tal “reduzir a autonomia e aumentar o ressentimento de ambos os lados”. A mãe não deve, por isso, “assumir responsabilidades que não são suas - como gerir as finanças ou resolver conflitos do casal, se houver” ou “tornar-se confidente de um filho em crise, sem espaço para si mesma”. A “regressão a papéis antigos” e “outras armadilhas” são caminhos a evitar, decisivamente.
“Clareza e a honestidade previnem tensões”, lembra a psicóloga, que recomenda o fim de indiretas ou de mágoas guardadas. A este ponto junta-se a importância de banir “expectativas irrealistas” de que a relação mãe-filhos vai ser como antes, de “evitar julgamentos e comparações" entre irmãos e “interferir na educação dos netos, caso existam”. Neste ponto, Teresa Feijão lembra que “a casa pode ser partilhada, mas a autoridade parental continua a ser dos filhos”.
Apesar dos limites para com os descendentes, o lugar e autonomia das mães têm de ser preservados. A progenitora deve “evitar a perda de autonomia pessoal, adiar planos, sacrificar rotinas ou objetivos de vida por causa dos filhos”, recomenda a psicóloga. Carolina de Freitas Nunes corrobora porque, afinal, “a autonomia, a intimidade e a reorganização dos papéis tornam-se questões delicadas”. Falamos, afinal, de uma “fase da vida em que muitas mulheres esperavam poder voltar-se um pouco mais para si, mas reencontram-se ainda no centro da gestão doméstica e emocional, mesmo que os filhos já tenham idade para serem pais de outros”.
Esta especialista descreve, por isso, uma “realidade feita de nuances”. “Há histórias de proximidade enriquecedora, mas também casos de estagnação mútua. Faltam conversas francas sobre como se vive a dois quando se esperava viver a sós. Nem sempre é fácil reclamar espaço sem culpa ou redefinir regras sem ferir afetos. Mas talvez seja aí que se encontra o desafio: preservar o vínculo sem anular a individualidade.”